Poucos valeparaibanos conheceram tanto sobre o Vale do Paraíba como o jornalista, pesquisador da cultura popular e culinarista paraibunense, João Evangelista de Faria, o João Rural. Poucos – ou talvez ninguém – registraram tanto quanto ele, seja em textos, fotos ou vídeos sobre pessoas, relatos, paisagens e a cena regional do Vale e do rio Paraíba do Sul, da nascente, em Areias, à foz, no mar do Rio de Janeiro
Por mais de 40 anos, ele percorreu o asfalto e poeirentas estradinhas de chão para frequentar de casinhas de pau a pique a grandes fazendas históricas e/ou produtoras. Figura conhecida pela sisudez, tinha alma e jeito caipira de ser, era hospitaleiro e gostava de boa conversa, com um estilo de vida quase franciscano.
Fala por si, o seu acervo de mais de 70 mil imagens, em filmes P&B ou coloridos e em vídeos super 8, que estão sendo digitalizados, para ficar em breve totalmente disponíveis no site do Instituto Chão Caipira Malvina Borges de Faria, outra das suas iniciativas, com sede em Paraibuna. O nome homenageia sua mãe, a quem deve suas primeiras inspirações para a culinária. O site está sendo reformulado para manter viva sua mensagem pela cultura, pelo homem e e pelo meio ambiente regional.
Diante de uma história tão rica em vivências e de um legado inquestionável deixado por João Rural, nada mais oportuno do que também eternizar sua memória no cinema, para preservar sua história às futuras gerações.
É o que propõe o documentário “Retratos: João Rural”, que começou a ser filmado no mês passado, em Paraibuna, sob a direção do cineasta sérvio Zoran Djordjevic, oriundo da Escola Nacional de Cinema da Tchecoslováquia, cuja tradição documentarista segue grandes nome do gênero do cinema universal. Em 2021, juntamente com Diogo Gomes dos Santos, que assina o roteiro do filme, ele foi premiado em Cannes, com o curta “Muros da Vida”, a única obra brasileira a receber um prêmio naquele ano.
“Retratos: João Rural” está sendo realizado com recursos da Lei Paulo Gustavo, contemplado em edital da Fundação Cultural Benedicto Siqueira e Silva, tendo como proponente a Rio Acima Produções Artísticas, sob a direção geral do musico Eduardo Rennó, paraibunense e “cria” artística de João Rural.
IMPORTÂNCIA
“Esse projeto é uma proposta do Instituto Chão Caipira, porque o João Rural é um nome que extrapolou as fronteiras de Paraibuna e, a medir pelo profissionalismo e pela qualidade da equipe envolvida, vamos ter um ótimo resultado”, diz Rennó, também responsável pela trilha musical do projeto.
Para o músico e produtor, a importância dessa obra se dá principalmente pelo seu caráter didático, de difusão do trabalho de João Rural para as novas gerações, que precisam conhecer sobre o quanto ele fez pela cidade, na distante década de 1990. Segundo Rennó, a verba destinada à produção é pequena, mas o espírito de colaboração por parte da equipe é grande, o que deve resultar em um produto de alto valor cultural.
“É um grupo que se organizou para produzir um documentário, formado por alguns amigos e profissionais renomados na produção de documentários, além da família dele. Muita coisa já se produziu sobre ele e muita coisa ainda virá, pois ele representa a maior expressão da valorização da cultura caipira na região do Vale do Paraíba”, destaca José Vicente de Faria, irmão de João Rural e diretor de projetos do Instituto Chão Caipira.
Faria lembra que o jornalista começou sua trajetória profissional em Paraibuna, ampliando depois por todo o Vale do Paraíba, deixando documentada a história de uma época. Ele destaca ainda a importância do documentário e de outras produções que ainda possam vir, pois vão revelar às novas gerações, tudo o que João Rural representou para a cultura local e regional, sobre a gastronomia, a música, as tradições, o folclore, as festas e os estudos sobre o universo do homem caipira.
“Esse documentário é importante na medida em que revela o João Rural por uma ótica que os amigos formaram a seu respeito e pela sua própria obra e seu legado que estarão sendo retratados por pessoas e com familiares que conviveram com ele, preservando sua memória”, afirma.
QUEM FOI
Nascido em 1951, João Rural faleceu em junho de 2015, depois de uma vida dedicada à defesa, preservação, fortalecimento e divulgação da cultura caipira. Em 40 anos de pesquisa, reuniu um acervo de 300 horas de vídeo e filmes 8mm, 70.000 fotos e 7.000 páginas estimadas em livros, jornais e revistas, atuando como fotógrafo, redator, revisor, diretor, editor, produzindo e apresentando programas para a televisão regional. Ele era verdadeiramente um profissional multimídia.
O material reunido por ele traz a história da região do Vale do Paraíba da última metade do século passado até o início do século 21, com um olhar sempre voltado às tradições, expressões culturais, história, culinária, do homem do campo. Ainda teve sempre especial carinho pelo Rio Paraíba do Sul, voltado à sua preservação material e imaterial.
A partir de 2007, ele desenvolveu diversos projetos, alguns deles com apoio da Petrobrás como o Guia Nascentes – retratando todas as cidades do Vale do Paraíba – documentários, livros, um curta-metragem infantil, histórias em quadrinhos, sem contar o muito que ficou inacabado. Todo esse material foi doado por ele em vida ao Instituto Chão Caipira, que agora tem a missão de preservar, publicar e divulgar esse acervo.