O professor e escritor Umberto Eco será lembrado sobretudo por delinear a Idade Média com uma visão tão aproximada como se estivesse examinando o pensamento medieval com uma lupa.
Foi assim no definitivo “O Nome da Rosa”.
No livro de ensaios “Viagem na Irrealidade Cotidiana”, Umberto Eco visita a cultura moderna, escolhendo em cada capítulo um assunto ligado sobretudo ao universo de imagens norte-americano.
O texto mais comemorado diz respeito ao filme “Casablanca”. Aliás, o filme se passaria em Lisboa, inicialmente. A alteração para Casablanca transpôs o filme para a África que se torna uma espécie de plataforma para o Paraíso, que seria o mundo livre norte-americano, longe da Segunda Grande Guerra, com uma escala intermediária em Lisboa.
Lisboa é um local protegido de guerras. A família real portuguesa deixou Portugal, mas o país não foi totalmente ocupado por Napoleão. Portugal também ficou quase que isolado dos problemas que aconteciam na Europa em 1914, em 1936 com a Revolução Espanhola e em 1939 com a ascensão do Nazismo.
Consequentemente, o diretor de “Casablanca” deve ter optado por concentrar as cenas no Marrocos por três motivos: a proximidade da Argélia, que se tornou um refúgio da marinha francesa, a proximidade com o sul da França e naturalmente, uma associação com a República de Vichy, o que é confirmado na última cena, além da oposição em relação às margens do Mediterrâneo, que ofereceria uma certa sensação de segurança para os que tentavam sair da Europa devastada.
Casablanca como local de reflexão e Lisboa como passaporte à segurança e à liberdade.
Sob o mesmo aspecto de salvação, Umberto Eco desenvolve um de seus textos mais intrigantes: sobre os gibis do Super-Homem.
De uma maneira geral, Umberto Eco aproxima nossa cultura ao mundo medieval, icônico, por assim dizer.
Ao mesmo tempo em que descontrói tanto o filme quanto o HQ, acaba por dar mais sentido ao que nós acabamos por valorizar um pouco mais.
Seríamos nós medievais?
Parece que sim, responderia Rei Arthur.
“Viagem na Irrealidade Cotidiana”, editado em Português em 1984, foi um dos livros que mais gostei de ler.
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José Alencar Galvão de França
Arquiteto e Urbanista