A cachaça é considerada uma bebida bastante nobre no Brasil e de trago em trago vai conquistando compradores no exterior, mas aqui no país entre as serras e os alambiques pequenos surge essa bebida feita artesanalmente e que supera em muito as que são feitas num processo industrializado mais avançado do que esse estilo colonial. Ganha em buquê e sabor, virtudes garantidas pela utilização somente do suprassumo da matéria-prima e da produção e pelo lento descanso em barris de madeira. Essa produção artesanal, hoje, representa mais de 30% da produção nacional de quase dois bilhões de litros de aguardente por ano. Com as exportações o aumento da produção tem sido bastante significativo nestes últimos cinco anos. Como ela nunca se acanhou durante a história, tornou-se símbolo de resistência à imposição portuguesa ao consumo de vinho o que culminou com a Revolução Pernambucana, em 1817.
Daí por diante manteve seu posto até as últimas revoltas pró-independência. Depois, frequentou a mesa do imperador D. Pedro II expandindo sua marca pelo tempo e pela história que tem o mesmo na idade do fazimento do Brasil nestes mais de quinhentos anos. Essa busca foi fruto de uma caminhada que fiz de moto junto com mais um amigo de Paraty (RJ) até a cidade de Ouro Preto (MG). Durante esse trajeto pudemos observar que há muitos alambiques nas proximidades do Caminho do Ouro, com diversas marcas e sabores diferentes e, ao sabor da arte barroca de Minas Gerais se esconde outra arte, a da fabricação da cachaça que revela uma bebida nobre como um uísque consagrado e, tão tradicional como um vinho francês, apenas com uma grande vantagem, o sotaque brasileiro.
ANTES DA FORCA, TIRADENTES QUIS MOLHAR A GOELA!
Insanidade imaginar que o mártir Tiradentes teria desejado, pouco antes da forca, molhar a goela com um trago de cachaça. Talvez não. Motivos ideológicos fariam dessa atitude o último ato de resistência à dominação portuguesa, já que a aguardente era símbolo dos ideais de liberdade dos inconfidentes. As causas sentimentais ligariam o pedido às lembranças que Tiradentes tinha do alambique da Fazenda Boa Vista, a nove quilômetros de onde nascera.
Saudade do cheiro agridoce e do caldo de cana fermentado.
Mesmo depois de dois séculos, é difícil entrar nesse engenho da pacata cidade de Coronel Xavier Chaves e não apostar que a suposição seja certeira. Produzida da mesma forma desde o século XVII, a cachaça que Tiradentes teria desejado chama-se Boa Vista. No comando da velha roda-d’água está um descendente do mártir, Sr. Rubens Chaves.
Dos truques guardados a sete chaves, que ele diz ter – fazendo um trocadilho com o nome da família e seus antecessores -, o mais inusitado é o envelhecimento da cachaça em tanques parafinados. “Não fica amarela como aquelas produzidas nos barris de madeira porque não tem vergonha de ser cachaça”, brinca um dos fabricantes descendente do mártir da Inconfidência.
Longe de Minas Gerais, mas próximo historicamente está a cidade de Paraty (RJ) que produz muita cachaça de boa qualidade que a cada dia que passa ganha mais fama dentro e fora do país a “pinga de Paraty” como é conhecida em cidades vizinhas como Cunha (SP) sempre é bem saboreada pelos turistas. E, mais que uma cachaça de qualidade Paraty tem em seus alambiques um pouco de nobreza como o caso da pinga Maré Alta que pertence
a um descendente da família real dom João de Orleans e Bragança, mas além dessa face nobre a cachaça de Paraty há na cidade outros alambiques como o fabricante da cachaça Corisco que tem uma descendência um pouco mais desbravadora onde seu dono guarda uma imagem longínquo de parentesco com o navegador Vasco da Gama. No engenho Corisco é possível de se ver tudo em pleno funcionamento: a roda d’água que movimenta as moendas que devagar vão triturando a cana e o caldo, que lentamente escorre até os cochos de fermentação e, logo surge a cachaça pingando do alambique de cobre. Outra boa pedida é provar a azulada, uma pinga que se produz ao acréscimo folhas de laranja tangerina durante o processo de fermentação e destilação.
Seguindo essa trilha da cachaça temos no Vale do Paraíba muitos produtores que têm melhorado dia-a-dia a qualidade da bebida, e com isso vem ganhando mercado de cachaças que já têm um nome bastante respeitado no comércio da região. Nas vendas da zona rural é comum pedir uma “branquinha da terra” e o comerciante servir uma cachaça de alambique ao visitante, que satisfeito, acaba por não esquecer o lugar voltando sempre. Alguns comerciantes até arriscam um palpite sobre essa fetichização exercida pela cachaça sobre os turistas que gostam de saborear uma boa pinga: “quem bebe uma é incapaz de não voltar acompanhado dos amigos para um novo trago” diz Mário Almeida dono cachaçaria Cabana, no mercado municipal de Cunha. Em Cunha temos a pinga Três Pontes, produzida pelo Zé da Pinga, a Cachaça do Sá , além de outros fabricantes que já contam com um bom estoque para chegarem ao mercado. A famosa pinga de Paraty vem perdendo seu lugar aqui em Cunha que, às vezes, acabamos surpreendidos porque ela é mais leve do as cachaças fabricadas naquela cidade informa um dos fregueses do Pizzaria LA em Casa, na rua Dr. Casemiro da Rocha na região central da cidade de Cunha.
Oswaldo Macedo