Hoje podemos dizer que há uma dificuldade em precisar a chegada do café no Vale do Paraíba paulista, mas é bom lembrar que o cultivo do café começa próximo ao Rio de Janeiro, a capital colonial, que depois da independência viria a se constituir na capital do Brasil. Se nós observarmos as gravuras de Jean-Baptiste Debret (1768-1848) e Johann Moritz Rugendas (1802-1858) podemos verificar que o cultivo do café começa no Brasil bem próximo da capital. Ao observar algumas gravuras da época, verificamos o Pão de Açúcar no plano de fundo da imagem de uma fazenda de café. Esses dados históricos apontam expansão cafeeira em direção ao Vale do Paraíba Fluminense e, por volta de 1820, temos as primeiras noticias da chegada ao Vale do Paraíba Paulista.
Entre 1820 e 1830, há registro de fazendas de café na divisa entre as províncias de São Paulo e Rio de Janeiro e, nesse mesmo período, também há registro de fazendas de café em Ubatuba, no litoral norte de São Paulo. O mais importante de tudo isso, é que a chegada do café na província de São Paulo não vai interferir no sistema de tributação da Capital. Esse dado é interessante porque o Vale do Paraíba Paulista está vinculado ao Rio de Janeiro e não interfere na vida da província de São Paulo. O contato por estradas e as informações estão direcionadas para o Rio de Janeiro, desvinculando a questão da cobrança de tributos da capital da Província de São Paulo.
Caribe
A história do café no Vale do Paraíba tem raízes mais profundas do que possamos imaginar. Ela vai mais longe, e começa, na verdade, no Caribe no final do século XVIII. Essa leitura histórica é importante porque é em Saint Dominique onde os europeus iniciam a produção em larga escala.
Como o café não é uma planta originária da América e nem da Europa, ele é natural dos bosques da Etiópia e foi domesticado pelos árabes. O acesso europeu ao produto se deu através do mercado, sem ter acesso direto à planta.
Os holandeses foram os primeiros a obter mudas da planta através de suas possessões no Oceano Índico e, com isso, vão fazer uso de uma espécie de espionagem biológica, utilizando seus laboratórios de botânica na modificação do arbusto. A modificação da planta foi importante para a adaptação e produção em outras regiões. Os franceses interessados em desenvolver o plantio em suas colônias, na América, trouxeram para o Caribe suas primeiras mudas.
Essas plantações se desenvolveram, foram conquistando mercado, abrindo espaço para a associação entre escravidão negra e a cafeicultura, devido à quantidade de mão de obra exigida para produção em massa.
O lugar por excelência da produção de café no Caribe foi o Haiti, onde às vésperas da Revolução, no final do século XVIII, Saint Dominique era responsável por 50% da oferta mundial do produto. Nesse período, é interessante observar a população escrava de Saint Dominique que, em 1790 contava com 450mil cativos, sendo que 150 mil desses trabalhavam na lavoura de café. Em 1791, com o desenrolar da Revolução e a participação ativa dos escravos na condução do processo revolucionário há uma preparação que, na década seguinte, por volta de 1804, vai levar ao surgimento da segunda república independente da América. A segunda república da América foi totalmente controlada pelos ex-escravos e, boa parte das tecnologias, utilizadas no plantio de café e cana de açúcar foram deixadas de lado, colocando em colapso a produção cafeeira e açucareira. Esse momento é marcado por uma alta demanda de consumo e expansão dos mercados, principalmente, o mercado norte-americano que, logo após a guerra contra o México, conquista um amplo território com ligação entre o Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico. Essa ligação vai estar ajustada à descoberta do ouro na Califórnia que, seguido de um processo de industrialização e urbanização intenso, amplia, ainda mais, o processo de expansão territorial e o aumento do consumo per capita do produto. A demanda passa a ser gigantesca e o colapso da produção no caribe deixa de atendê-la em momento extremamente importante para o mercado cafeeiro. Como a retirada de 50% da produção do mercado pela Revolução de escravos de Saint Dominique, ocorre em um momento em que há um avanço significativo do processo de industrialização na Europa e nos Estados Unidos, e a necessidade de consumo vai abrir espaço para outros mercados.
Essa industrialização vai potencializar a busca pelo produto no mercado mundial, abrindo caminho para a produção em outras regiões e, é ai que entra a produção cafeeira do Vale do Paraíba.
Vale do Paraíba
Com as guerras napoleônicas em pleno andamento na Europa, a ocupação de Portugal pelos franceses e o descumprimento da Coroa ao Bloqueio Continental, imposto por Napoleão Bonaparte contra o comércio, a Inglaterra e as nações europeias, a família real vem para o Brasil. Chegando aqui, em março de 1808, Dom João VI, imediatamente se encarrega de fazer a abertura dos portos às nações amigas, buscando sair do estrangulamento econômico imposto pela França. Com a chegada da família real, no Rio de Janeiro houve uma série de mudanças que vão impactar a economia local, mas com a necessidade de recompor as deficiências comerciais portuguesas com o mercado mundial surge, então, a oportunidade de mais espaço para os produtores brasileiros de café. Eles passaram a compor a pauta de exportações do Brasil, buscando uma dinamização da produção agroexportadora do Rio de Janeiro. A abertura dos portos teve um impacto gigantesco nesse processo, pois até então o café não era considerado um produto chave para a economia, mas logo se tornaria. A produção cafeeira serve de alternativa para dinamizar a economia do centro-sul e, com isso, as terras do Vale do Paraíba, que estavam bloqueadas pela política de terras públicas e passaram a ser sistematicamente ocupadas.
A política de ocupação das terras se inicia nas regiões próximas aos caminhos já existentes, que serviram o ciclo do ouro e que, de certa maneira, vão ser um espaço de comunicação entre o interior e a região litorânea, servindo ao desenvolvimento da lavoura cafeeira no Vale do Paraíba, que aproveita essa estrutura pronta. O Caminho Novo, que ligava o Rio de Janeiro a Minas Gerais, abre espaço para o surgimento de várias unidades produtivas que, de início, produziam aguardente e fumo e que, na verdade, era a principal moeda de troca do tráfico negreiro. Com essa possibilidade aberta e com o colapso produtivo do Caribe e o aumento da demanda por café no mercado mundial, há um direcionamento da produção. É nesse período que ocorre a conversão da produção de açúcar que, mesmo perdendo hegemonia para o ciclo do ouro, continuava sendo produzido no Brasil Colônia. Essa conversão abre possibilidades para o café recolocar o Brasil no caminho do desenvolvimento. É na formação desse novo ciclo, que rapidamente a economia ganha autonomia e segue avançando.
Algo semelhante ocorreu no Caminho Novo da Piedade, que vai de Lorena até o Rio de Janeiro. Esse caminho foi aberto no final do século XVIII e logo no início do século XIX já tem registros de fazendas de café na sua proximidade e, há muitos casos em que essas fazendas, em seu momento inicial, contam com sistema de policultura, ou seja, elas produzem milho, feijão, aguardente, açúcar, e o café vai sendo inserido aos poucos. O café vai ganhar opulência com as fazendas que surgem ao longo de duas novas estradas abertas no Período Joanino: a Estrada do Comércio e a Estrada da Polícia que articulava o sul de Minas Gerais ao porto do Rio de Janeiro. Esse novo contexto vai alterar a situação dos cafeicultores, ampliando as áreas de produção, fazendo deslanchar a cafeicultura no mercado internacional.
No mesmo instante em que há um avanço no processo produtivo, há também um crescimento da procura do café no mundo ocidental, que vem acompanhado da segunda Revolução Industrial, principalmente nas décadas de 1820 e 1830. Esse processo de intensificação da Revolução industrial transcende a Inglaterra, elevando o avanço do capitalismo para outras regiões, ampliando os mercados e aumentando a produção de manufaturas. Esse processo vai chegar aos Estados Unidos, que vai entrar no mercado como grande consumidor de café entre os anos de 1830 e 1840. Tudo isso ocorre logo após a guerra contra o México, à descoberta do ouro na Califórnia e o aumento da produção manufatureira, que vai gerar um processo interno de movimentação de pessoas do leste para oeste dos EUA. A conquista e a ampliação do território vão ser fundamentais para o avanço da lavoura cafeeira no Vale do Paraíba, que logo passa a ocupar o primeiro lugar no ranking mundial.
Para manter o quadro produtivo e atender a demanda dos mercados os cafeicultores brasileiros aceleraram o tráfico negreiro, mesmo que isso venha significar certo desgaste com a monarquia, que coloca D. Pedro I em uma situação de dificuldade para o cumprimento do acordo assinado, em 1826 pela Inglaterra, dando reconhecimento da Independência do Brasil. O acordo previa que o Brasil queria colocar um fim definitivo ao tráfico negreiro em um espaço de três anos, ou seja, em 1829 o país precisava ter colocado um fim definitivo no tráfico. Mas como isso não foi possível o Parlamento votou, em 1831 a proibição do tráfico negreiro. Essa Lei conhecida como “lei para inglês ver”, não vai ser interpretada pelas elites cafeeiras com esse olhar. A aprovação gerou desconforto, e D. Pedro I, com problemas com o trono português, onde seu irmão, D. Miguel, havia tomado o trono de sua filha, foi obrigado a abdicar.
Exportação e exploração de mão de obra escrava
Café na mesa nos EUA, aumento da exportação e exploração de mão de obra escrava no Brasil.
Há dois fatores que se transformam em elementos vitais para o desenvolvimento da cafeicultura:
O primeiro se refere à infraestrutura viária, que é herança direta da mineração e que está pautado no sistema de transporte por mulas. Esses animais eram criados no Rio Grande e trazidos do sul para a Capitania de São Paulo, onde eram comercializados na feira de Sorocaba. O sistema de transporte estava pronto e, no entanto, ele é vital para a compreensão do desenvolvimento da lavoura cafeeira no Vale do Paraíba.
O segundo fator primordial foi o tráfico negreiro bilateral entre o Brasil e a África. Ele estava estruturado como um eixo importante para a economia colonial desde o século XVII e, era articulado em diferentes portos brasileiros. Essa ligação direta com os portos africanos e com os portos do Recife, Bahia e Rio de Janeiro que recebiam os navios negreiros e se encarregavam na distribuição do tráfico, atingindo diretamente a região produtora. A vinda da família real para o Brasil, em março de 1808 vai ativar esse tráfico bilateral, que, diga-se de passagem, já era muito volumoso, mas ele vai crescer, ainda mais com a dinamização da economia brasileira nesse período.
Entre 1810 e 1820, o custo trabalho no Brasil era muito baixo por conta desse tráfico bilateral. Todas essas comissões serviram de estímulo para cafeicultura que em curto espaço de tempo, ou seja, em menos de 15 anos, elevou o Brasil de um patamar produtivo sem nenhuma importância à condição de igualdade à produção de Saint Dominique, em 1789. Isso foi uma montagem muito rápida.
1831: uma lei para inglês ver
O que é uma lei para inglês ver? A lei de trinta e um como é conhecida é uma lei que está presente em todos os livros didáticos. Ela foi votada pelo Parlamento brasileiro em 1831, como parte do acordo do reconhecimento inglês pela independência, realizado em 1826. Muito embora o Parlamento brasileiro não estivesse obrigado de aprovar essa lei acordada pela diplomacia dos dois países. No acordo diplomático de
182,6 o Brasil se comprometeu em acabar com tráfico negreiro em três anos. Esse acordo foi um dos elementos que erodiram o capital político de D. Pedro I. O tratado foi entendido como um fulcro no pulmão da economia brasileira, que se sustentava no tráfico negreiro, mas os traficantes e fazendeiros vão retirar apoio ao imperador Pedro I. A perda desse suporte dos fazendeiros e traficantes agrava a situação política do imperador no Brasil que, para piorar a momento, teve combater o seu irmão, D. Miguel, em Portugal, que havia usurpado o trono de sua filha após ter sido conferido a ele a tutoria da menina.
O Parlamento brasileiro se fortaleceu com a votação da Lei Trinta e Um aprovando-a em sete de novembro de 1831, mas ela não foi compreendida por ninguém na base do poder como um ato para inglês ver. A Lei foi compreendida como uma lei que ia ficar para valer. O reflexo disso está claro no aumento substantivo do Tráfico negreiro. Esse aumento do tráfico trouxe também outro diferencial, que é o amento do número de mulheres escravas porque, para o imaginário dos donos de escravos, era preciso manter a escravidão e, com aumento do número de mulheres escravas, eles poderiam manter o crescimento vegetativo. Essa ideia dos traficantes e fazendeiros aponta para lei e, verdadeiramente, para o fim do tráfico, mas reproduzir a escravidão era necessário porque ela era a base de sustentação de suas riquezas e de todo poder que eles tinham no império. Após 1831, houve uma redução considerável do número de escravos trazidos pelo tráfico. Nesse período, há um fator interessante, que se refere ao desempenho do tráfico negreiro. Essa história vai gerar a primeira representação endereçada por brasileiros ao parlamento imperial, demandando a reabertura do tráfico, que foi a solicitação do cancelamento da lei de 31. Essa representação ocorreu através da Câmara Municipal de Bananal, que infelizmente não consta dos arquivos da Câmara dos Deputados, em Brasília, mas o acesso a ela é possível por meio da correspondência diplomática britânica. A correspondência diplomática inglesa acusa que o município de Bananal estava querendo anular a lei de 31. Ora, isso é importante por quê? Porque começou a haver uma pressão muito grande dos cafeicultores demandando braços para plantio de café, contra a lei de 31.
Regresso conservador
Nesse momento se ajustou o quadro institucional do Brasil, que ia vigorar até 1860. Por que essa demanda dos cafeicultores do vale do Paraíba, de Bananal, Vassouras, Valença, Cantagalo, Paraíba do Sul e outros municípios que fazem parte desse ciclo cafeeiro, houve uma pressão muito grande sobre o Parlamento. Um grupo político conhecido como Regresso Conservador começou sua articulação no Parlamento, conseguiu criar uma sinergia entre um grupo social poderoso, os fazendeiros de café e um grupo político poderoso, que estava se constituindo naquele momento, o grupo dos Conservadores. Essa aliança entre esse grupo de controle que media forças no parlamento e no Senado, junto com os cafeicultores vão conseguir, na prática, anular a Lei de 31, reabrindo o tráfico negreiro.
O segredo da cafeicultura
Esse volume de escravos vai constituir o segredo da explosão da produção cafeeira brasileira nos anos 30 e 40 do século XIX. O Brasil atendeu ao aumento da demanda do mercado mundial, mas foi além, ditou os preços no mercado mundial com a queda significativa dos preços depois de 1830. Essa oferta a baixo custo das commodities funcionou como um indutor do consumo, pois na medida em que ia derrubando os preços, ele se abria à quantidade cada vez maior de consumo. Esse barateamento fez abrir cada vez mais a um maior número de consumidores nos centros urbanos e industriais da Europa e dos Estados Unidos. Esse é um ponto chave da cafeicultura brasileira: uma quantidade gigantesca de escravos que são importados ilegalmente e que são alocados nas fazendas de café, mas o segredo da cafeicultura brasileira não está apenas na quantidade bruta de mão de obra, é também o próprio funcionamento interno das fazendas. Esse é um elemento que diferencia a cafeicultura brasileira da cafeicultura caribenha.
Desde que o café teve a sua botânica modificada pelos europeus, porque o cafeeiro, nas suas condições ambientais originais, é uma planta que tem uma variação entre quatro, cinco a seis metros de altura. Assim , os árabes a cultivam no Iêmen, enfim em todas a região do Médio Oriente e no bico da Etiópia. Quando os holandeses se apossaram, adotaram a prática de decotar o cafeeiro para que os pés ficassem com uma altura máxima de dois metros. O que explica isso é a facilitação da colheita dos frutos pelos escravos e os europeus, holandeses e franceses começaram a adotar o sistema de plantio alinhado dos pés de café, mas houve outra inovação da produção brasileira ligada à massificação do produto que o objetivo de conquistar o mercado com o barateamento do custo final. Qual foi essa técnica? Esse sistema fez com que a plantação fosse realizada com um espaçamento bastante considerável entre as fileiras de café com plantio alinhado vertical dos pés de café. A topografia do Vale do Paraíba é famosa topografia de mar de morros, nesses morros os cafeeiros eram sempre plantados em uma base que saia do chão até o topo do morro. Sempre em linhas verticais, com grande afastamento entre as linhas. Como é que isso se relaciona com a exploração dos escravos? A forma básica do trabalho escravo nas grandes fazendas do Vale do Paraíba era o chamado trabalho por turmas. Na linguagem do século XIX, essas turmas eram chamadas de ternos. Cada terno de escravos, em geral era composto entre 15 a 25 escravos, é claro que isso era para as grandes fazendas que dominavam a produção no Vale. Pois bem, cada um desses ternos de 15 a 25 escravos era comandado por um capataz ou feitor de roça. Esse feitor acompanhava os cativos e ficava supervisionando as tarefas como capina, colheita, enfim, a manha do solo em geral. Pois bem, um capataz que ficasse na base desses morros com o plantio bastante afastado entre os pés de café, conseguia visualizar facilmente onde estava a linha de trabalhadores e a execução de suas tarefas, ou seja, capinando colhendo, fazendo podas ou qualquer outra atividade no eito. Esse sistema visual facilitou a imposição aos escravos de uma carga muito grande de trabalho. Para tornar esse dado mais completo, em Saint Dominique, no Haiti pré-revolução, cada escravo de roça cuidava de mil a dois mil pés de café. Esse número de dois mil pés de café foi o número inicial da agricultura cafeeira do Vale do Paraíba. Na medida em que avançou o século XIX, esse trabalho foi se desenvolvendo, foi se aprimorando, essa carga de trabalho rapidamente subiu para três mil, quatro mil pés de café para chegar à década final da escravidão a cinco mil pés de café por escravo.
A fazenda de café
A fazenda Pau D’alho, em São José do Barreiro, no fundo do Vale, é uma das fazendas que está em melhor estado de conservação. Nessa fazenda, nós temos um tipo de construção que vai desde a casa grande, onde morava a família do dono, do proprietário da fazenda de café, logo a frente da casa grande está localizado o terreiro de beneficiamento do café com a senzala localizada entre a lateral, junto a casa de máquinas movidas pelo sistema de roda d’água e na parte superior ao terreiro de café, fechando o sistema de quadra, uma instalação fundamental para uma fazenda de café nesse momento histórico, ainda durante esse período da escravidão, ou seja, antes da assinatura da lei áurea, em maio de 1888. Outro local importante é o espaço reservado para os trabalhadores livres, afinal havia também trabalhadores livres que exerciam trabalho nas fazendas de café. Esses trabalhadores livres estavam alocados no transporte com a tropa até os locais de exportação do produto. A posição da fazenda e fundamental, é um local alto que permite ao fazendeiro e seus agregados visualização do conjunto da fazenda, inclusive do caminho que passa muito próximo da entrada da fazenda. Esse caminho era o caminho que ligava com a Corte, na cidade do Rio de Janeiro.
Crise
Quando é que economia cafeeira do vale entra em crise? Por quê?
A economia cafeeira do Vale do Paraíba entrou em crise nas décadas finais que precedem o fim da escravidão. A contrapartida desse sistema de gestão do espaço e dos escravos gera um rápido esgotamento dos recursos naturais. Uma plantação de café disposta com um grande espaçamento e com fileiras no sentido vertical acabou favorecendo a lavagem do solo. A chuva produzia uma grande erosão nesses locais ou por menor que fosse o impacto. a água levava os nutrientes da terra. Só para ter uma ideia da dimensão do problema, é bom lembrar que há vários registros agronômicos do século XIX, que abordam essa questão. A decadência do solo era muito rápida. Em um espaço de tempo de vinte anos, toda a cobertura florestal desaparecia nessa região de plantio de café. Isso era fruto exclusivo da erosão, da ação da chuva. O que pode dizer é o seguinte: uma pergunta que pode se fazer é se os fazendeiros tinham consciência desse sistema de plantio, do custo ambiental desse sistema de plantio utilizado? A resposta é sim. Eles sabiam o que estava envolvido nesse sistema. A prova empírica disso é que a proposta para se plantar em curva de nível existia no Brasil desde a década de 1830. Quando se falava em plantio vertical e esgotamento dos recursos naturais, os fazendeiros usam o raciocínio de que com fazendas gigantescas e, com pouca mão de obra, o custo de um novo sistema inviabilizava a produção. O elemento caro era o trabalho, não era a terra. Ou seja, do ponto de vista dos fazendeiros o que era mais racional era exploração da terra ao máximo e poupar os trabalhadores, mesmo que eles fossem muito explorados.
Se pegarmos o inventário de uma fazenda de café, poderemos provar que essa ideia tem uma lógica muito clara, principalmente, dentro do sistema em que estão inseridos, pois os valores das fazendas são sempre discriminados em três rubricas: cafezais, mata virgem e pasto ou capoeira. Na medida em que o século XIX avança, isso falando das décadas de 50, 60, 70 , 80, 90… Os valores se modificam e o que vale mais são as terras em mata virgem. Essas terras em mata valem mais do que os cafezais plantados. As capoeiras não valem nada e para isso basta fazer uma leitura dos inventários da época. Os registros nesses inventários demonstram que elas perdem totalmente o valor. A riqueza do fazendeiro não reside no cafezal plantado, mas reside na mata que ele pode derrubar.
Abolição
A exploração econômica dessas fazendas vai até a abolição. Com a abolição, os fazendeiros perderam o que constituía a essência da riqueza deles, os escravos com sua força de trabalho. Mas isso não significa que essas fazendas saíram do mercado antes do treze de maio de 1888.
O que aconteceu no dia seguinte a assinatura da Lei Áurea?
O quatorze de maio trouxe arranjos para que a produção cafeeira continuasse após a abolição nas safras dos anos seguintes à libertação. Os ex-escravos passaram a se recusar a trabalhar sob os mesmos termos em que estavam alocados, ou seja, continuar o trabalho nos mesmos moldes em que vigorava a escravidão, as fazendas tornaram-se menos competitivas em relação ao oeste paulista. O que ocorreu no Vale foi simultaneamente uma crise social, uma crise de poder escravista e também uma crise ecológica. As terras ficaram desgastadas e a sociedade escravocrata perdeu sua opulência, abrindo espaço para pecuária, encerrando assim mais um ciclo econômico. Isso impactou diretamente a economia na região, deixando a maioria das cidades sem condições de investimentos, mergulhando na pobreza os escravos e uma boa parte da população que , de uma forma ou de outra, vivia na dependência do sistema cafeeiro.
A questão abolição na historiografia brasileira é sempre uma questão pendente nas várias regiões onde havia contingente de escravos, no caso do Vale do Paraíba , o que aconteceu no dia seguinte?
Assim que acabou a escravidão, os ex-escravos se recusaram a continuar trabalhando sob o regime anteriormente vigente e a primeira quebra é o sistema de terno, ou seja, a prática de ir sob o comando de um feitor para o campo se quebra imediatamente. A recusa para o trabalho de turno é imediata, praticamente há uma espécie de unaminidade entre os ex-escravos, esse é um primeiro ponto. O segundo ponto é a demanda dos ex-escravos na busca da retirada de mulheres e crianças dos campos de trabalho. O terceiro ponto que é fundamental é a questão do confinamento dos trabalhadores, feito no Vale do Paraíba na chamada quadra, a quadra do terreiro que era uma disposição de moradia com entrada única, sem comunicação externa, com todas porta voltadas para dentro do pátio. Essas portas eram trancadas a noite, depois do toque de recolher, que ocorria por volta das nove ou dez horas e só se abriam de manhã. Esse sistema do ponto de vista espacial, era como um sistema prisional e esse modelo de senzala em quadra era para os escravos a essência do regime de opressão ao qual estavam submetidos.
Assim que acaba a escravidão, os novos regimes de trabalho que vão sendo acordados entre ex-escravos e senhores, dentre os quais o regime de colonato que também existiu no Vale do Paraíba. Para os libertos o ponto chave era sair do quadro, não mais residir no quadro da fazenda, não mais residir sob os olhos de seus ex-senhores, e isso, portanto, envolveu uma reorganização espacial do terreiro, da quadra, da senzala e tudo mais. Mas é sempre importante ter em conta esse elemento ambiental, pois a produtividade dessas fazendas era cada vez mais decrescente e com isso houve uma quebradeira geral no Vale do Paraíba após o treze de maio. Muitas dessas fazendas estavam hipotecadas nos bancos e o insumo chave para essas hipotecas eram os escravos e quando vem a abolição sem indenização, foi a ruína geral dos fazendeiros. Ponto de investimento eram os escravos e, isso desapareceu de uma hora para outra pois os escravos chegavam a representar 50 por cento e até 60% do capital de uma grande fazenda.
Essa região torna-se decadente a partir dos anos 80 do século XIX e perde paulatinamente a importância econômica chegando, no inicio do século XX, a se consagrar com a expressão um grande vale paraibano que é nada mais, nada menos do que o escritor Monteiro Lobato com seu livro Cidades Mortas, diz “Ali tudo foi, nada é. Não se conjuga o verbo no presente. Tudo é pretérito.” “Umas tantas cidades moribundas arrastam um viver decrépito, gasto em chorar na mesquinhez de hoje as grandezas de dantes.”
As cidades conhecidas como fundo Vale do Paraíba são Silveiras, Areias, São José do Barreiro, Arapeí e Bananal ainda preservam uma boa parte desse patrimônio histórico. Há tombamentos, mas os cuidados sobre a preservação muitas vezes depende de particulares que cobram dos visitantes, oferecendo serviços e informação histórica sobre os casarões e sua relação com os escravizados.
Quem passa por essa região não pode deixar de visitar uma fazenda dessas e observar as marcas do trabalho escravo e a opulências dos fazendeiros da época do café na região que, mais tarde, vira cidades mortas como dissera Monteiro Lobato. A presença da monocultura ainda prevalece nessa região, com muitas dessas fazendas ou terras pertencentes às mesmas realocadas para plantio de eucaliptos, buscando atender a indústria de celulose. Outra situação bastante peculiar na região é a pecuária leiteira ou o chamado gado de corte que consiste na criação de bois para abate que modificou bastante a paisagem a partir do plantio de gramíneas exóticas como brachiaria, capim napier e outras que servem de forrageiras, principalmente nos períodos de secas. Esse tipo de pastagem também gera grandes impactos nas nascentes que formam os afluentes do rio Paraíba do Sul. Essas gramíneas somadas à falta de mata ciliar e suas estruturas de enraizamentos provocam mais erosão e ampliam a velocidade das águas de chuva em direção à calha dos rios, favorecendo ao assoreamento e a formação enormes cabeças d’água que causam muitos danos á população ribeirinha e até mesmo as cidades, sem contar o desserviço que prestam na formação das nascentes quando prejudicam o reforço do lençol freático. Isso está comprometendo ao abastecimento de água na região, uma vez que todas essas nascentes são afluentes do rio Paraíba do Sul. Esse tipo de impacto poderá comprometer os municípios mais afastados da via Dutra que ainda dependem das cidades maiores, localizadas as margens da rodovia que contam muito pouco com um processo de industrialização local. A maioria das indústrias existentes na região são multinacionais ou contam com apoio do externo, refazendo um novo ciclo que poderá eclipsar o desenvolvimento local por mais tempo, nesses tempos bicudos de neoliberalismo econômico e falta de investimentos global, por conta das políticas entreguistas
Oswaldo Macedo