Na época atual, mais do que nunca, é importante mudar o conceito de Deus, que ao longo dos séculos foi usado, dando-lhe formas que só exprimiam os nossos desejos. Trata-se de repensar o conceito de Deus, sempre representado como alguém que está no alto e que está nos vendo.
Deus não está em silêncio, fala através de diversas vozes, fatos, acontecimentos, e nós não estamos habituados a darmo-nos conta daquilo que está sucedendo à nossa volta, dentro de nós.
Ao longo da história Ele falou e fala através dos profetas, daqueles que sabem compreender o seu tempo. Os sinais dos tempos são importantes.
Deixamo-nos de habituar ao silêncio. O ser humano cai numa inquietação. Está habituado ao ruído de fundo permanente, que o torna doente e o sossega, e sem ele parece perdido. Um rumor que se torna como droga e torna a pessoa dependente em todos os sentidos.
Deus, então, torna-se difícil de compreender; antes, queremos defini-lo e pensá-lo como uma entidade que vê,que escuta os nossos lamentos, as nossas perguntas, as nossas necessidades.
Escutar Deus significa pormo-nos perguntas sobre nós próprios, sobre o planeta, sobre a sociedade, para que o todo tenha um sentido, para que o todo encontre um equilíbrio.
Deus permanece mudo para quem não o sabe escutar. Devíamos tornar a fazer a experiência de Elias, que foge para o monte, exausto das suas experiências e do povo, onde compreendeu quem era Deus, não aquele que faz ruído, vento impetuoso, tempestade, terremoto, mas apenas brisa ligeira que só quem se põe à escuta é capaz de escutar.
Fascinou-me sempre aquele Deus que não quer ensurdecer-nos no fragor do terremoto ou cegar-nos no relâmpago; escolhe revelar-se no sussurro do vento: “Após o fulgor houve o murmúrio de um vento ligeiro” (1 Rs 19,12).É no silêncio que se reconhece o Deus que fala. O silêncio é a palavra que Deus nos dirige, secreta palavra de amor; assim intui Simone Weil (1909-1943): “Quem é capaz não só de gritar mas também de escutar, entende a resposta. Esta resposta é o silêncio. É o silêncio eterno. Quem é capaz não só de escutar, mas também de amar, entende este silêncio como a palavra de Deus. As criaturas falam com sons. A palavra de Deus é silêncio. A secreta palavra de Deus não pode ser outra coisa a não ser silêncio”.
É este o ponto culminante da nossa fé em Deus. E o risco, ou melhor, a tentação, é de preencher o vazio que deriva do silêncio com uma presença substitutiva, e inevitavelmente ilusória.
Por vezes o vazio não é ausência, mas antes longa gestação. Para os parâmetros do eu, a gestação é sempre excessivamente longa. Mas para os parâmetros da alma, os tempos da espera e da elaboração interior que precede a evidência exterior são sempre aqueles que devem ser.
Deus que estende a mão quando caminhas no escuro e que nunca te larga, porque te é pai e te repete: “Não temas: Eu estou aqui contigo” (Is 41,10).
Façamos também desta situação pandêmica, precisamente porque crítica, uma longa gestação de uma nova realidade pessoal e de história comunitária, de modo a podermos repensar e crescer em humanidade.
Prof. José Pereira da Silva