Existe os chamados “vícios da alma” que minam a própria personalidade de quem os comete, fazendo-o acabar numa espiral de depravação cada vez mais desumana: vícios que nascem do coração.
Entre estes a luxúria, a relação deformada com o sexo, uma paixão que conduz a procurar o prazer por si mesmo, o prazer físico avulso do propósito ao qual está ligado. Não estamos falando do sexo normal e saudável.
O prazer sexual é o mais intenso prazer fixo, um prazer complexo que investe o corpo e a psique, um prazer inerente ao ato sexual, do qual, todavia, constitui somente um aspecto. Ora, se o prazer é procurado na “quantidade”, na compulsão, no excesso, o encontro sexual é reduzido à genitalidade, ao prazer fixo e ao orgasmo, o interesse focaliza-se no órgão especificamente implicado nele e nele se fecha, sem abertura a qualquer finalidade.
O único objetivo torna-se possuir o outro para fazer instrumento do próprio prazer: o outro é reduzido ao seu corpo, às suas partes eróticas e desejáveis, torna-se um objeto, até um elemento de fetiche.
Mas a energia sexual é unificadora quando se dirige ao amor, á comunicação,à relação, isto é, a uma história de amor;reduzida ao erotismo, pelo contrário, fragmenta, divide, dissipa o sujeito.
Quem está à mercê da luxúria absolutiza a sua pulsão e nega a relação com o outro, realizando assim uma cisão da sua personalidade e reduzindo o outro a uma “coisa”, ainda antes que a uma mercadoria.
A luxúria transforma o outro em mercadoria que se compra no final de semana.
As pulsões eróticas que deixam de estar ordenadas e harmonizadas na totalidade de si desafogam a natureza caótica e selvagem, até submergirem o outro, induzindo na fantasia ou na realidade – quase sempre com prepotência – ao ato sexual: a luxúria manifesta-se onde o prazer sexual é incapaz de se sujeitar às regras elementares da dignidade humana.
No entanto, esta paixão nasce no espaço da sexualidade, dimensão humana positiva que tende à comunhão entre homem e mulher: a complexidade do prazer sexual não diz respeito apenas à genitalidade e ao orgasmo, mas envolve toda a pessoa, com todos os seus sentidos.
A linguagem de amor, manifestação do dom de si ao outro, o prazer sexual é a coroação da união e, como tal, está inscrito na história de um homem ou de uma mulher: aparece na puberdade e é acompanhado pela fecundidade, para depois conhecer uma estação de esterilidade, até à sua extinção.
A luxúria, pelo contrário, consiste em entender o prazer como realidade cindida dos sujeitos, da sua história de amor, e por isso é uma ferida infligida a si próprio e ao outro. Na sexualidade sadia existe uma história de amor e na luxúria uma aventura efêmera e vazia.
Quando se separa o corpo da pessoa, o exercício da sexualidade desfigura-se, degenera, redunda em aridez, torna-se repetição obsessiva, obedece à agressividade e à violência.
O amor, que é dom de si e acolhimento do outro, é desmentido radicalmente pela luxúria, que quer a posse do outro; e assim a relação sexual, que deveria ser uma linguagem outra, sempre acompanhada pela palavra mas que excede a própria palavra, torna-se a morte da linguagem, da comunicação, impedindo de fato toda a comunhão.
Vivemos num contexto cultural, construído propositadamente por muitos meios de comunicação social e exploração pela publicidade, em que a única realidade não obscena é a do erotismo; é inevitável esbarrar com imagens eróticas, que se imprimem na mente para reemergirem em seguida e estimularem fantasias perversas. Para reagir a este ambiente contaminado, devemos adquirir a consciência que a luxúria tira a liberdade: quem dela é escravo acaba por ser servo do ídolo do prazer sexual, um ídolo obcecante que desencadeia uma perigosa dependência.
Quem está à mercê da luxúria é como que doente de bulimia do outro, coisifica-o de maneira real na prestação sexual ou de maneira virtual na imaginação. A verdadeira perversão em ato na luxúria é a de que induz a conceber o outro como simples possibilidade de encontro sexual, como mera ocasião de prazer erótico.
Como não notar hoje a senescência precoce do exercício sexual das novas gerações? Por esta estrada caminhamos rumo ao precipício de um libidograma plano, mata-se o Eros para sempre.
Uma gestão sã do prazer sexual comporta que a tomada de consciência de um corpo sexuado se acompanhe da vontade de encontrar o outro na diferença e no respeito da alteridade: trata-se de integrar a sexualidade na pessoa, través da unidade interior da pessoa no seu ser corpo e espírito. Certamente que exige um domínio de si.
O luxurioso recebe como salário do seu vício uma tristeza e uma solidão mais pesadas, as quais pensa remediar entrando na espiral de luxúria de novas experiências, novos encontros, novos prazeres, aventuras de morte da sexualidade sadia e do amor verdadeiro. Uma espiral diabólica que separa cada vez mais prazer da relação e fecundidade.
A disciplina interior, também no espaço da sexualidade, é sempre uma obra de liberdade e, portanto, de ordem e de beleza: é um esforço de humanização capaz de transformar o exercício da sexualidade numa obra de arte, numa obra-prima que coroa uma história de amor.
Prof. José Pereira da Silva