A pandemia transtornou os nossos estilos de vida diários. Aconteceu algo imprevisível. Vivíamos num mundo doente, mas não aflorava a ideia de podermos adoecer tão rapidamente e desta maneira.
Eis a inesperada vinda de um mensageiro devastador, o coronavírus. Alguns virólogos colocavam remotas hipóteses sobre a possibilidade de uma tal irrupção. Só alguns , sentinelas capazes de discernir os passos da humanidade, denunciavam, quase profeticamente, ainda que de maneira confusa, que corríamos em excesso, deveríamos deter-nos.
É significativo que este flagelo se tenha abatido sobre uma sociedade treinada desde há décadas a pensar a crise, exercitada a combatê-la sob diversas formas: a crise econômica, a financeira, a do tecido social. Tudo isto no quadro dos países rico onde reinam o mercado, o desenvolvimento, o consumo, a vida opulenta, enquanto permanecem cada vez mais ocultos os débeis, os pobres, os descartados. E assim as porções de humanidade alegres e vencedoras tiveram de acertar contas com a fragilidade, o sofrimento,até a uma morte desesperante.
Percebemos de repente muito medo, até angústia, por este vírus que andava entre nós invisível; um vírus perante o qual não são possíveis as defesas típicas dos ricos, de quantos podem contar com o seu poder.
Quase todos pensaram na possibilidade concreta de serem contagiados e morrer. Tendo a morte tão presente , nunca estiveram tão conscientes de sua fragilidade humana. Desta forma, a crise tornou-se uma pergunta sobre a fragilidade e sobre o limite da morte, a que ninguém pode fugir.
Também descobrimos os limites da ciência, da medicina, de muitas realidades que antes nos pareciam garantias tranqüilizadoras, a nível pessoal e social. Não devemos obscurecer em nós o sentido do limite que redescobrimos , nem o acontecimento da morte, que aguarda cada um e pode chegar imprevistamente.
Não creio que nesta crise nos tornamos automaticamente melhores, mais solidários, mais capazes de atenção ao outro. Isto depende da nossa vontade e das nossas opções, a serem renovadas a cada dia.
Hoje estamos mais conscientes do limite e da morte, então como afirma o filósofo humanista Salvatore Natoli: “tendo presente a morte, seremos menos propensos a prevaricar sobre os outros”. Só isto seria um bom começo!
José Pereira da Silva – professor