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terça-feira 12 novembro 2024
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Fé e Razão – Poema, a linguagem do invisível

Diante da tragédia da pandemia de Covid-19, enquanto a dor e o medo parecem sangrar o mundo,a nossa inteligência agarra-se à esperança que continua a brotar em toda a meditação sobre o sofrimento. Situações limite com que o horror pauta a história dos seres humanos.
O próprio poeta Eliot (1888-1965) voltou a pronunciar as palavras justas e comovedoras: “No meu princípio está o meu fim”.E recordou a sucessão de casas erguidas e derrubadas, destruídas e levantadas de novo, com a segurança de que os ingredientes do que declina seriam substância imprescindível da nova existência. “Pedra velha para novo edifício, velhas achas para fogos novos, fogos para a cinza, e cinza para a terra”.
Quando escreveu “East Coker”, nos inícios da Segunda Guerra Mundial, já cumpridos os 50 anos, Eliot deu conta da tensão entre o tempo e a eternidade, entre a continuidade profunda do espírito e a fugacidade das experiências concretas fixadas em tempos precisos, , de tarefas obstinadas e absortas que decalcou do Eclesiastes: “Há um tempo para edificar, um tempo para viver, um tempo para gerar”.
Ao final, quando o mundo se faz mais estranho ao envelhecer, alcançamos uma nova plenitude, um presente perfeito, “não o intenso momento isolado,sem antes nem depois, mas o tempo de uma vida inteira ardendo em cada momento”. Esse é o tempo do ser humano, o tempo da única criatura, entre todas, consciente da eternidade
Quando lemos um bom poema, estamos recitando algo muito parecido com uma oração, porque a poesia não é a exibição do poeta, mas a revelação, diante dos nossos olhos assombrados, da alma que nos acalenta. É a palavra em estado puro, a imagem que pronuncia a obscuridade, a metáfora como o espelho de onde o mistério se contempla.
A matéria lírica proporciona-nos um espaço concreto a partir do qual intuímos a verdade última das coisas, a substância a que chegamos apartando as aparências, o impulso para intuir o idioma do desconhecido, a linguagem do invisível, o som de Deus.
Nos versos palpita a condição humana, com o seu perseverante olhar para a terra estremecida, para o gozo ou para a aflição, para o tempo de viver e para o tempo de esperar o nosso final.
Mediante a leitura, o fervor da beleza põe-nos em contato com o que somos para mais além de nós mesmos. Faz-nos ver-nos no instante de saborear o poema, mas também em todos os momentos da nossa vida pessoal. E mais além, na nossa pertença a uma humanidade atormentada pela sua condição temporal e desconcertada pela sua ânsia de infinito.
Quando chega o tempo de sofrer com esperança, significa ser capaz de descobrir na beleza do mundo não só um lugar no qual buscar o sossego dos nossos sentidos, mas, sobretudo, uma forma de reconhecer as razões da nossa existência. E, com elas, saber que alguém capaz de escrever um poema, ou de compor uma peça musical, ou de tremer de entusiasmo ao participar neste festim da inteligência, não pode ter como destino o nada.No princípio foi o Verbo. No nosso fim está o nosso princípio.

Prof. José Pereira da Silva