Muitas vezes, conhecemos pouco aquilo que é familiar debaixo dos nossos olhos, porque está oculto pela sua simplicidade e quotidianidade. A vida diária é teatro de uma tensão constante, um conjunto de práticas monótonas, de ambientes fechados de relações contorcidas.
Nesta vida laboriosa e oprimida, se queremos permanecer de pé e não sermos arrastados devemos tomar como exemplo o estilo de vida do monge e do artesão. Para eles, a prioridade é o presente, o kairós, o tempo da beleza e da harmonia que nasce do recolher e dar valor a cada fragmento.
O monge e o artesão incarnam-se no presente, atravessam-no, para encontrar a medida ajustada da harmonia, e buscar uma sabedoria que torne habitável esta nossa vida terrena.
O viver intensamente o presente conduz a conquistar-se a si própria e a sair de si.
Para eles, a atenção aos particulares é um estilo de vida orientado para a profundidade e para a interioridade; um detalhe é aquilo que os faz comover, é aquilo que os faz enamorar, que os faz perder por um momento na vertigem do infinito.
Hoje, a nossa vida é uma contínua migração para um mundo perdido e desorientado de fragmentos que já não sabemos utilizar.
Deus, pelo contrário, está sempre muito atento aos fragmentos: os olhos, aos gestos, a como se fazem e dizem as coisas, ao grão de mostarda, à ovelha perdida, ao óbolo da viúva.
Em cada momento de crise, Deus pede-nos para partir dos fragmentos e dos detalhes para retomar o caminho e a nossa dignidade.
Nós não pensamos. Toda nossa cultura é uma repetição de pensamento pensado por outros, mas isto já não nos satisfaz. Por isso, devemos pôr de parte pensamentos pensados por outro e reencontrar na sua fonte o pensamento puro.
E rumo ao pensamento puro é-nos pedido uma severidade de comportamento, de participação no mistério da vida. Estes embriões de novidade estão no ar, mas só descem onde encontra uma terra fértil.
Os embriões de novidade que sinto no ar e das quais gostaria de recomeçar para estar por dentro do mistério da vida são a beleza e a ternura, o perdão e a fidelidade a cada dia. Estes frágeis gestos tem a força de voltar a pôr de pé a nossa vida.
Por José Pereira da Silva – professor