A dificuldade de dizer obrigado parece-me um dos sintomas mais inquietantes do nosso mal de viver.
Muitos pais deixaram de educar, ou educa mal, os filhos a pronunciar a palavra obrigado nas normais ocasiões do dia a dia, como se pudéssemos reduzir um “obrigado” a puro formalismo, a boa educação postiça, e por isso, a eliminar, a remover. Deixam que nas crianças germinem e radique o pensamento de que tudo lhes é devido.
E enquanto os habituamos à pretensão diária e constante deste “tudo lhes é devido”, temos dificuldade em acompanhá-los na viagem, entusiasmante, árdua, por vezes dolorosa, que os conduzirá a descobrir que, na realidade, nada lhes é devido, mas tudo lhes é dado.
É preciso ter coragem para dizer obrigado. Coragem , e ardor e afeto, e humildade para que cada pessoa não se sinta o termo último e primeiro da sua existência. A coragem de ser reconhecido.
A palavra obrigado nasce de um hábito de reconhecimento, e o exercício da palavra obrigado constrói e dá forma àquele hábito. Não há graça sem reconhecimento, não há reconhecimento sem graça.
A sociedade tem uma perda do sentido do reconhecimento que caracteriza a humanidade pós-moderna: a autorreferencialidade que nos qualifica é em si a negação da capacidade de reconhecer – aquilo que o outro/Outro é para mim, aquilo que outro/Outro faz por mim – que está na base de uma disposição de alma reconhecida.
“O ângelus”, de Jean-François Millet (1814-1875) , é uma pintura que , apesar das suas dimensões contidas (55×66 cm), surpreende e fascina pelo caráter hierático e quase monumental da composição. É uma pintura que reporta ao mundo camponês. Em primeiro plano sobressaem duas figuras: um homem e uma mulher imóveis, de pé,, com a cabeça inclinada e as mãos recolhidas no ato da oração. Terra. Luz. Presença humana. Silêncio. Oração. O casal se interioriza em que a própria vida se torna Templo para o divino. É a liturgia do agradecimento.
Acolhe em si um obrigado que abraça a vida inteira em toda a sua tremenda simplicidade e nobreza; obrigado pelo alimento, pelo dia que passou, pelo dia que virá. Tudo é graça. Também a fadiga, também a dor.
Obrigado é sinal de gratidão. A psicologia positiva e as neurociências asseguram: aprender a ver os presentes de cada dia torna-nos mais felizes. A gratidão é sinônimo de ação de graças.
A gratidão é a tomada de consciência de um benefício recebido, que nos toca, e pelo qual somos conduzidos a agradecer ao seu autor. É uma virtude humana, quer dizer, adquirida por repetição a fazer o bem, facilmente, firmemente, e com alegria. A gratidão é a nossa resposta ao amor transbordante de Deus, que nos deu o dom da vida.
A gratidão é uma virtude que se trabalha. Compara-se a um músculo, que podemos exercitar para ganhar em espontaneidade.
Os momentos da gratidão são três: reconhecer o benefício, sentir a emoção que dele deriva, agradecer, concretizando uma ação. Cada um corresponde a uma faculdade do ser humano: a inteligência, a afetividade, a vontade. Por isso a gratidão equilibra-nos , ao mobilizar-nos inteiramente. A poeta Marie Noel (1883-1967) escreveu as Litanias do
Obrigado nas quais escreve: “Já não procuro os meus pecados, mas as minhas dívidas. Revejo no meu coração tudo aquilo que recebi de outros ao longo do dia, toda a pequena ou grande bondade”.
No dia-a-dia parar e agradecer e pedir a Deus para estar na gratidão e dizer “obrigado, meu Deus. Acolher o instante como um presente!
Prof. José Pereira da Silva