Não é possível, do ponto de vista de uma biologia séria definir o que seja, exatamente, uma pessoa idosa; de forma inexata, podemos fazer o que quisermos – entronca aqui a questão da mentira e podemos manipular a representação da realidade a nosso bel-prazer.
Quando é que se passa a ser biologicamente velha ou idosa? Todas as respostas nunca passarão de apontamentos genéricos sobre aspectos do estado biológico do animal humano. Se se pode fantasiar sócio-politicamente que se passa a ser “adulto” no vago momento em que se cumpre a idade de dezoito anos, assim criando a ilusão de que há mesmo uma transição real de um estado não-adulto para um estado adulto, não há modo equiparável de definir o que seja biologicamente um velho.
Pode haver a tentação de confundir algo como a definição administrativa de ficções como a “entrada na terceira idade”, com algarismo atribuído (sessenta e cinco anos, por exemplo; mas pode ser o que o burocrata quiser ou a sociedade), com uma real metamorfose de um ser humano não-velho em um ser humano velho.
Este é um dos grandes problemas da modernidade, no que esta tem de mau- pois muito de bom tem também -, que é pensar a realidade em termos mágicos. Neste caso, atribuir-se-ia uma categorização política a uma realidade , a da relação da vida humana e seu movimento com a possível classificação em fases, e tal atribuição corresponderia a algo de real, a tal metamorfose anteriormente invocada.
A realidade não quer saber do que pensam e escrevem os que tem o poder de mandar nas massas humanas, por mais que estes pensem o contrário.
Não é necessariamente, por se ter, por exemplo, atingido os setenta anos que se é velho, sequer do ponto de vista biológico, muito menos de todos os outros pontos de vista que fazem do animal que somos animal propriamente humano.
Poder-se-à argumentar que aos setenta anos há uma quantidade, mais ou menos quantificável, de funções biológicas humanas que já não operam quando se era jovem (palavra mágica nos dias de hoje). Pode, mas não é também verdade que muitos anos antes já muitas dessas funções entraram em degradação, algumas delas, em algumas pessoas, em fases etárias muito, precisamente , jovens?
Quando a humanidade tinha médias de longevidade pequenas, era considerado velho ou idoso alguém de trinta anos.
Por outro lado, o Sófocles que escreveu Édipo em Colono com noventa anos era velho? Velho, precisamente em que?
De corpo, dir-se-á. Mas que dizer de um jovem que desespera aos quinze anos e se mata? Velho de corpo não parece? Ou será que se mata precisamente porque o seu desespero é outra forma de nomear a sua real velhice? Não sabemos o que é propriamente um idoso. Jogamos com generalidades.
Geralmente as classificações do que é ser idoso está associado a falsa objetividade métrica do movimento e do humano tempo, associado, mas a substância, a grandeza, a qualidade, o sentido, não da idade, não do tempo, mas da real vida que a pessoa foi, mas, sobretudo, da real vida que a pessoa é.
A definição do que é velhice ou ser idoso não dá precisamente o sentido do que a velhice é e não é. Como a realidade própria que constitui o ser humano em sua especificidade própria, um velho nada mais é do que um ser humano. Mais nada. O mais é apenas formulação política, que pode ser o que quem tiver o poder de decidir projetar sobre o ser humano quiser. É apenas uma questão de poder.
Em muitos casos, nem sequer é o algoritmo biológico que é o grande causador da chamada velhice: é toda a ação, positiva ou negativa, criada ou sofrida, ao longo daquilo que habituamos designar como vida humana.
Sabemos que há muitas pessoas que estão “velhas” ainda com muito pouco idade cronológica. Quantas vezes, esta forma de envelhecimento se somatizará, isto é, terá consequências biológicas, provocando mesmo algo designável como envelhecimento biológico?
Um idoso angustiado não é um idoso angustiado: é uma pessoa, como as outras, angustiada. A angústia não é prerrogativa-privilégio dos idosos.
O envelhecimento é um caminho bastante pessoal. Existe uma conexão entre envelhecimento e a vida autêntica. Envelhecer significa ir e passar, mudar sem perder a identidade, um pequeno pedaço de experiência projetado sempre de novo sobre um grande pedaço de esperança.
A questão vivencial do envelhecimento passa em como eu vejo o sentido de minha vida e como viver consciente e cuidadosamente na situação e na idade em que me em encontro. É uma tarefa humana e espiritual. Como dizia Dom Hélder Câmara (1909-1999): “Feliz de quem atravessa a vida inteira tendo mil razões para viver”. Quem encontrou um sentido profundo para sua vida não envelhece. Quem tem mil razões para viver nunca envelhece!
Prof. José Pereira da Silva