Vivemos num tempo de incúria das palavras, no qual abundam neologismos eufemísticos: fala-se de guerra preventiva para definir a agressão militar; recorre-se ao termo flexibilidade para falar de desemprego ou despedimento. Mais do que nunca há necessidade de filologia, isto é, de amor pelas palavras; ou também, para dizer com outra metáfora, de ecologia da linguagem.
A esta sorte não escapa sequer um termo que muitas vezes ouvimos ressoar: conviver/convivência. Na linguagem comum, é agora sinônimo de coabitação entre pessoas não casadas. Que empobrecimento! Essa é só uma pequeníssima parte da questão. Mais em profundidade, conviver significa aprender a viver juntos , e aprendê-lo como um verdadeiro e autêntico ofício.
Aprender a arte de viver é um trabalho pessoalíssimo a caro preço, assim o é também aprender a arte , o ofício do viver juntos: não eu sem ou contra os outros, mas eu juntamente com os outros.
Esse caminho não deve ser pensado em termos de empobrecimento: “Os outros são o inferno” (Jean Paul Sartre), porque me cortam as asas, impedem-me de desenvolver a minha personalidade, forçando-me ao compromisso. Não, está na hora de compreender que o encontro, o viver juntos, numa troca de olhares, gestos, palavras, e também silêncios , pode ajudar a fazer florir a personalidade singular: pode ajudar a florir a personalidade singular: pode ajudar a passar do indivíduo à pessoa. Não se deve esquecer que, segundo uma audaciosa etimologia, pessoa poderia derivar do verbo latino “per-sonare”: eu sou enquanto ressoo o apelo do outro.
Partindo dessa dimensão de proximidade, o conviver alarga-se igualmente ao sentido da convivência civil. Como escreve Andrea Riccardi: “ sem uma cultura partilhada não se pode fazer muito no nosso mundo, e, sobretudo, arrisca-se muito.
A consciência da necessidade da civilização do conviver é o início de uma cultura partilhada entre homens e mulheres diferentes”.
Numa simples pergunta: é verdadeiramente mais feliz quem ergue muros cada vez mais altos e sofisticados, ou quem sabe partilhar (sinônimo de conviver) aquilo que tem, chegando, assim a um enriquecimento recíproco? São Paulo em sua Carta aos Coríntios escreve: “ Estais no nosso coração para morrer juntos e viver juntos” (7,3). Parece um absurdo lógico, e em vez disso pode exprimir admiravelmente o fim do conviver , inclusive a nível humano: só quem está disposto a dar a vida, no limite até à morte, pode conseguir verdadeiramente conviver, viver junto aos outros com consciência de causa. E assim se aprende, na profundidade do coração, a laboriosa arte do entrelaçar vidas, histórias e destinos.
Prof. José Pereira da Silva