Search
sexta-feira 15 novembro 2024
  • :
  • :

Fé e Razão – Natal: é na vida e na história que reconhecemos Deus e o amamos

Lemos nos Evangelho de São João: “O Verbo fez-se carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). É no pequeno espaço da nossa história que Deus se nos expõe.

O mais Alto desce ao mais baixo dos lugares humanos. Deus Santo não desdenha sentar-se à mesa de pecadores e de mulheres de má vida.

O Verbo cala-se na boca de uma criança que ainda tem de aprender a falar e na mudez de um condenado que já não tem direito à palavra.

O Todo-Poderosos expõe-se , de fato, à mesquinhez e iniqüidade do nosso julgamento. A Vida passa pela dura prova da morte. Atravessa, por isso, com pés de barro, os altos e os baixos da nossa condição, a sua graciosidade e as desgraças, as sua linguagens e a sua mudez, a sua fecundidade e a sua esterilidade, a sua justiça e a sua impiedade, a sua fé e a sua desconfiança.

Memória e promessa, graça e esforço,silêncio e palavra,confiança e reconhecimento do dom da existência reencontram-se na história do Filho de Deus entre nós.

Não o esqueçamos: é na carne e no sangue da nossa humanidade que o encontro entre Deus e cada homem e cada mulher se dá. E só assim continua a ser.

O Prólogo de São João é comovente, porém de tanto o ouvirmos é possível que já não arrepie e mova a muitos. Tudo o que dissermos sobre Deus que não nasça aqui e que não cresça a partir daqui, corre o risco de se tornar abstrato e de nos alienar.

Deus diz de si como Deus para nós na história e como história de Jesus de Nazaré. Por isso , é também na história, e cada qual com a sua história, que haveremos de reconhecer Deus e de o amar com todo o nosso coração, com todo o entendimento, com todas as forças.

É também por isso que não bastará olhar para o alto do céu ou perscrutar o íntimo de nós mesmos para justificar a não realização desse amor na escrita cotidiana da nossa biografia, sabendo que esta ocupa um espaço, habita um tempo, fala uma língua.

E tece-o no cruzamento de tantos encontros e, quem sabe, também de tantos desencontros.
Quando o Verbo do Pai, por obra do Espírito Santo, se faz carne no seio de Maria, o absoluto, que, na Trindade, já é geração e relação, faz-se relativo, dizendo de si no afeto que nos dedica e no laço que estabelece conosco. Não se impõe como se a nossa liberdade não existisse. Faz-se presente enquanto se nos dá.

Não se revela, por isso, fora da relação que estabelece conosco: não sem a carne e o sangue das nossas existências situadas no mundo; não sem todas as coisas que vemos, ouvimos , tocamos, saboreamos e cheiramos, nem sem o drama cotidiano dos nossos afetos e das nossas liberdades.

Sobretudo, não sem todos aqueles e aquelas que cruzam o nosso caminho, na maior parte das vezes, de modo inesperado.

É assim que, na história de Jesus, Deus e humanidade se encontram realmente e intimamente – sem separação nem confusão -, para não mais se separarem.
Tendo-se feito homem, é na nossa humanidade que nos ama. E é só assim que nós, como homens e mulheres, o podemos amar.

Se já pela criação tudo tem o toque de Deus, pela encarnação do Verbo, tudo é confirmado como sua bênção. A vida divina repassa, de fato, os lugares vazios – todos os lugares – da nossa existência.

Contemplando Jesus, saberemos que é na qualidade das nossas relações que, em última instância, se decide o peso da nossa existência. É diante de alguém que tem fome e sede, que está na prisão ou no hospital, que precisa de roupa ou de acolhimento que a vida de qualquer ser humano se decide (Mt 25).

Reparemos como nasce, como vive e como morre, e como, pela autenticidade da sua vida, testemunha que a nossa vida é a maior bênção com a qual Deus nos assinala desde a criação do mundo.
Amar a Deus que se encarna com todo o coração, significará amá-lo com o amor de todos os amores ( entre pais e filhos, entre amado e amada, entre amigos, entre quem pede e quem dá), o laço de todos os afetos, a compaixão de todos os encontros, a esperança de todos os lugares, a fecundidade de todas as artes.

Amá-lo significa reconhecer que sem Ele não podemos viver; que, não o possuindo como coisa nossa, o temos da nossa parte. Cada pessoa, cada circunstância, cada elemento do mundo é, de fato, lugar da passagem e do encontro com O sempre presente: Emanuel: Deus conosco.

Prof. José Pereira da Silva