Foi Pascal que disse: “as mãos sustêm a alma”. Hoje precisamos das mãos – mãos religiosas e laicas – que sustentem a alma do mundo. E que mostrem que a redescoberta do poder da esperança é a primeira oração global do século XXI.
Um dos poderes mais importantes que as histórias têm – e isto é, aquilo que a literatura nos oferece: um extraordinário arquivo de histórias – é de funcionar como espelhos da nossa realidade.
Desejar novas parábolas que ajudassem a interpretar e dar um sentido ao nosso sofrimento mais profundo.
Creio que o Papa Francisco foi um mestre nisso. Aquela celebração de sexta-feira à noite na praça de São Pedro vazia foi a parábola mais poderosa e necessária para estes tempos. O Papa Francisco, abraçando o vazio e a solidão, é como se os tivesse exorcizado: começamos, assim, a olhar o vazio de outra maneira. Isto demonstra como a fé é uma parábola capaz de tocar e curar o coração humano.
Quando falamos de pandemia de coronavírus é um trauma, isto é, uma agressão inesperada para a qual não tínhamos defesas e que devastou a nossa imagem do mundo. Uma das coisas importantes a fazer num percurso da cura, segundo dizem os psiquiatras, é contar a alguém a nossa história.
Por este motivo, este momento de pandemia é um tempo de palavras, de relatos que se acumulam, de narrações que se sobrepõem. Aquilo que aconselho é isto: façamos deste momento um momento para falar. Mas não pela palavra repetida e esgotada, pelos comentários às imagens que enviamos pelo whatsapp, quase sem pensar. É essencial que desejaríamos ter dito e que talvez ainda não tenhamos dito, aquela palavra de amor que foi adiada, aquela gratidão pela vida do outro que não tivemos ainda a coragem de exprimir. Este é o momento.
Este é, certamente, um momento de prova, em que todos somos chamados a uma resposta eticamente qualificada. O tempo é superior ao espaço. Este princípio é de grande sabedoria, porque não absolutiza o presente, mas coloca-o em relação com o passado e, sobretudo, com o futuro. O discurso da fé ajuda-nos a abraçara fragilidade, a não temer a fragilidade, mas ajuda-nos também a sentir de novo aquela palavra que Deus disse a Abraão: “Levanta os olhos da terra e conta as estrelas”. Este é também o momento de olhar as estrelas. Este é também o momento de olhar as estrelas. Ou como dizia a mística Etty Hillesum, no diário que escreve no campo de concentração de Westerbork, este é o momento de “olhar os lírios do campo”.
É importante darmo-nos conta que o mundo já não voltará a ser aquilo que era, e que há um novo percurso que devemos seguir. Mas para isto temos de reforçar a nossa experiência comunitária. É juntos, todos unidos, sem descartar ninguém, sem deixar ninguém para trás, que seremos capazes de enfrentar os imensos desafios que nos esperam.
Não tenhamos dúvidas: a única verdadeira imunidade de grupo, de que tanto se fala, é o amor, a justiça social, a construção de um mundo mais humano. Todas as outras imunidades de grupo são precárias e só agravarão a crise. Este é momento de caminhar juntos, redescobrindo o significado concreto de palavras como nação, humanismo, vida comum, confiança e fé.
Prof. José Pereira da Silva