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sábado 23 novembro 2024
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Fé e Razão – Eu e o outro: ninguém existe a partir de si mesmo e só para si mesmo

Para o grande pensador judeu Martin Buber (1878-1965) o que vale na vida são os verdadeiros encontros. Encontro com pessoas e com o absoluto (Deus).

A filosofia de Buber sobre o encontro baseia-se no reconhecimento de uma reciprocidade fluente. Tudo pode tornar-se um outro, um você.

Toda a existência é falar com o outro. Abordar, dar respostas e responder à própria vida. O caminho a mim mesmo passa pelo outro, diz Buber: “O homem torna-se um eu através do você. Só na linguagem dupla, com um ou outro, o ser humano torna-se ele mesmo.

O essencial não está no eu nem no você. Ele surge naquilo que ocorre entre eu e você. Trata-se de um processo que inclui e molda, tanto o eu quanto o você: “Juntos os seres humanos alcançam o pão do céu de serem eles mesmos”.

O movimento vai de mim para você. Esse passo para além de si mesmo é o movimento básico de toda prática espiritual.

A cultura ocidental em seus aspectos individualistas traça uma linha clara de separação entre a pessoa e o seu entorno. O eu isolado está diante de um mundo que ele percebe como estranho e hostil. Isso provoca o medo e produz o estresse.

A vida de uma pessoa não pode ser separada da vida de outras pessoas. Numa rede indivisível de relacionamentos tudo está ligado a tudo. Nada nem ninguém existe a partir de si mesmo e só para si mesmo.
Dizia Albert Schweitzer (1875-1965): “Eu sou vida que quer viver, no meio da vida que quer viver”.

A consciência dessa interligação é a origem da solidariedade. Solidariedade que dizer: sentir-se em um outro ser vivo. Compartilhar de um destino alheio. A solidariedade também inclui o aspecto da compaixão.

A capacidade de dedicar-se aos outros e cuidar deles é o que torna o ser humano especial. Na solidariedade eu ultrapasso as fronteiras do meu eu. Aquele, aquela, o outro, torna-se algo meu. A solidariedade autêntica é indivisível.

Só em relação a esse todo e no intercâmbio com ele eu posso ser eu mesmo. “Nenhum homem é uma ilha; cada um é um pedaço do continente, um pedaço do todo”, escreve o peota da modernidade John Donne (1572-1631) , e acrescenta: “A morte de cada pessoa me diminui, pois sou parte da humanidade. Portanto, não pergunte para quem os sinos tocam, eles tocam para você”.

Com uma consciência assim da unidade e da interligação não haveria violência nem opressão. Mas a realidade tem outra cara. O que domina é a sinistra velha crença de que o homem é o lobo do homem e que na verdade as coisas só giram ao redor do eterno triste jogo de devorar e ser devorado.

Por mais diferentes que as pessoas possam ser, todas são ligadas pelo mesmo anseio de evitar a dor e ser feliz.
Há outra coisa em comum que liga todas as pessoas: a mortalidade. A morte nos aguarda. E então todas as coisas que hoje ainda nos ocupam tanto e possivelmente nos sustentam mutuamente perdem o significado. A morte nos reúne definitivamente, como irmãos e irmãs.

O sino da morte toca para todos, como diz John Donne. Somos partes de um grande destino comum, membros de um corpo, não importa que um seja o olho, o pé ou o dedo mindinho.

Prof. José Pereira da Silva