Para conhecer-se a si próprio, para compreender-se e interpretar-se são necessárias condições que favoreçam esse trabalho interior, que permitam concentrar os olhares e resistir à dissipação: é preciso recolher as forças para ir até ao fundo, para descer às suas profundidades e experimentar a vida espiritual como processo de gestação, no qual se toma forma, é se gerado, renasce-se – Jesus fala de “renascer do Alto” (Jo 3,3), faz-se emergir aquilo que está em nós mas que ainda não somos.
A solidão surge neste sentido como uma primeira necessidade. Mas, atenção: não se trata da solidão-isolamento, que é negativa para todo o ser humano, mas da solidão como dimensão de estar só consigo próprio e distanciar-se de tudo aquilo que no cotidiano é uma presença incômoda.
Sabemos bem como é difícil introduzir na nossa vida espaços e momentos de solidão> apreensão, ansiedade, inclusive aversão podem invadir-nos quando começamos a estar em solidão, à parte; passar da agitação das preocupações do cotidiano à solidão não é espontâneo, mas requer uma decisão, um esforço de vontade.
Na verdade, as distrações agradam-nos, o ruído interior faz-nos companhia, a presença de outras vozes e imagens envolve-nos e protege-nos de nós próprios, daquilo que somos de verdade. “Torna-te aquilo que és!”, exortava o poeta grego Píndaro (438 a.C. – 437 a.C), mas nós resistimos a este chamamento profundo que nos habita.
Se há verdadeira solidão, há também o silêncio, que não deve entender-se como mutismo, mas como distanciamento das vozes, como possibilidade de uma escuta outra, escuta daquilo que não é ruído, barulho, voz alta, daquilo que não se impõe e, todavia, fala: sim, porque também o silêncio é eloqüente, fala e pode ser escutado.
A vida interior precisa de um tempo de silêncio, que permita aos nossos sentidos funcionar de maneira simples e natural, sem serem solicitados artificialmente; precisa de um espaço à parte, de uma vontade não de fuga mas de reconhecimento.
Na linguagem corrente diz-se que é preciso encontrar-nos a nós próprios – indicando que a pessoa pode estar perdida.
Silêncio e solidão permitem também o florescimento da liberdade pessoal, através de um trabalho de humanização progressiva, de crescimento da capacidade crítica capaz de julgar e discernir todas as ofertas , de assunção da subjetividade.
É preciso saber dizer “eu” na vida interior, melhor, aprender a dizê-lo , para poder dizer também “nós” de maneira autêntica. Seja dito terminantemente: para poder viver um caminho espiritual é preciso absolutamente a liberdade, uma liberdade submetida à prova mas sempre a agarrar e a confirmar para poder avançar.
Ser livre desencadeia o medo, sobretudo no espaço interior, onde a força de inércia, as tentações do bem-estar, sonolências são sempre eficazes e ativas.
Cada pessoa é chamada a escrever ela própria a sua história: não há fado nem necessidade e nada está predeterminado. A criação , o fazer da sua vida uma obra de arte precisam absolutamente da liberdade; e não há liberdade nem libertação possível sem a liberdade interior.
Prof. José Pereira da Silva