Uma Encíclica Social: é com estas palavras que o Papa Francisco define o documento “Todos Irmãos” (Fratelli Tutti),composta de oito capítulos e 287 números, que assinou em 3 de outubro de 2020, em Assis, no túmulo de São Francisco (1226-1230), no qual acentua a nobreza de cada pessoa e reitera que “a inclusão ou exclusão da pessoa que sofre na margem da estrada define todos os projetos econômicos, políticos , sociais e religiosos”, o que implica a crítica à desregulação dos mercados econômicos e financeiros, a apologia do perdão, a garantia da liberdade religiosa e, por fim , a exaltação da figura do Beato Charles de Foucauld (1858-1916) .
O Papa Francisco lembra-nos: “Todo o ser humano tem o direito de viver com dignidade e desenvolver-se integralmente, e nenhum país lhe pode negar este direito fundamental. Todos o possuem, mesmo quem é pouco eficiente porque nasceu ou cresceu com limitações. De fato, isto não diminui a sua dignidade imensa de pessoa humana, que se baseia , não nas circunstâncias, mas no valor do seu ser. Quando não se salvaguarda este princípio elementar, não há futuro para a fraternidade nem para a sobrevivência da humanidade”.
Propõe aos políticos grandes linhas orientadoras de ação,na convicção de que, por inacreditável que possa parecer, “ na política, há lugar também para amar com ternura”.
O Papa Francisco constata que “os migrantes não são considerados suficientemente dignos de participar na vida social como os outros, esquecendo-se que tem a mesma dignidade intrínseca de toda e qualquer pessoa.(…) Nunca se dirá que não sejam humanos, mas na prática de os tratar, manifesta-se que são considerados menos valiosos, menos importantes, menos humanos”.
O Papa classifica de inaceitável a atitude dos cristãos que fazem “prevalecer determinadas preferências políticas em vez das profundas convicções da sua própria fé: a dignidade inalienável de toda a pessoa humana, independentemente da sua origem, cor ou religião, e a lei suprema do amor fraterno”.
Continua o Papa : “O paradoxo é que, às vezes, quantos dizem que não acreditam podem viver melhor a vontade de Deus do que os crentes”, apontando para ”aqueles que parecem sentir-se encorajados ou pelo menos autorizados pela sua fé cristã a defender várias formas de nacionalismo fechado e violento, atitudes xenófobas, desprezo e até maus-tratos àqueles que são diferentes”.
Com efeito, “há crentes que pensam que a sua grandeza está na imposição das suas ideologias aos outros, ou na defesa violenta da verdade, ou em grandes demonstrações de força. Todos nós, crentes, devemos reconhecer isto: em primeiro lugar está o amor, o amor nunca deve ser colocado em risco, o maior perigo é não amar”.
Escreve o Papa: “Senti-me especialmente estimulado pelo Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb. Com quem me encontrei, em Abu Dhari, para lembrar que Deus “criou todos os seres humanos iguais e na dignidade, e os chamou a conviver entre si como irmãos”.
O Papa Francisco anota que as páginas da Encíclica : “não pretendem resumir a doutrina sobre o amor fraterno, mas detêm-se na sua dimensão universal, na sua abertura a todos”, começando por se deter em : “algumas tendências do mundo atual que dificultam o desenvolvimento da fraternidade universal.
O texto constata que: “um projeto com grandes objetivos para o desenvolvimento de toda a humanidade soa como delírio”, “ aumentam as distâncias” entre as pessoas, “e a dura e lenta marcha rumo a um mundo unido e mais justo sofre um novo e drástico revés”.
Continua o Papa: (…) de tal modo que deixa de haver o mundo, para existir apenas o meu mundo; e muitos deixam de ser considerados seres humanos com uma dignidade inalienável, passando a ser apenas os outros”.
A cultura “vazia, fixada no imediato e sem projeto comum”, caracteriza-se pelo “descarte mundial”, que se reflete no desprezo por nascituros e idosos, o privilégio pelo individualismo que enfraquece a dimensão comunitária da existência, a rendição da política aos poderes econômicos transnacionais, e o silenciamento das vozes que se erguem em defesa do ambiente. “O princípio “salve-se quem puder” traduzir-se-á rapidamente no lema: “todos contra todos”, e isso será pior que uma pandemia”.
O texto diz: “Constata-se que, de fato, os direitos humanos não são iguais para todos”, e um dos muitos exemplos é “a organização das sociedades em todo o mundo, que ainda está longe de refletir com clareza que as mulheres tem exatamente a mesma dignidade e idênticos direitos que os homens”.
A respeito da finalidade da Encíclica diz o Papa: “Entrego esta encíclica social como humilde contribuição para a reflexão, a fim de que, perante as várias formas atuais de eliminar ou ignorar os outros, sejamos capazes de reagir com um novo sonho de fraternidade e amizade social que não se limite a palavras. Embora a tenha escrito a partir das minhas convicções cristãs, que me animam e nutrem, procurei fazê-lo de tal maneira que a reflexão se abra ao diálogo com todas as pessoas de boa vontade”.
A Encíclica Fratelli Tutti (Todos Irmãos) é um convite para se refletir em profundidade o significado dos seus desafios. Um chamado para se repensar os nossos estilos de vida, as nossas relações, a organização das nossas sociedades e sobretudo o sentido da nossa existência
Prof. José Pereira da Silva