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quinta-feira 21 novembro 2024
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Fé e Razão – Desaprendemos a escuta do silêncio

A vida é uma mistura inevitavelmente de luzes e sombras, momentos exaltantes e momentos de fadiga, grandes alegrias e fortes dúvidas. E não pode ser de outra maneira. E é precisamente no momento da fadiga que descobrimos quem somos.
E se, em vez de nos dobrarmos sobre nós próprios, ousássemos colocarmo-nos em discussão, esperar, mudar, orar, agir, algo acontece. Subamos de nível, mudemos de freqüência, entremos dentro de nós mesmos, dentro da História, dentro dos acontecimentos.
Deus não está na violência, no barulho da agitação, no frenesi ou nos prodígios, mas no íntimo de cada um de nós. Na brisa da manhã, como mais precisamente, na voz do silêncio.
Desaprendemos a escuta do silêncio. A agitação robótica distancia as pessoas delas mesmas. São ausentes delas mesmas. O lugar onde encontramos Deus. Por que não ousar? Por que não voltar a calar para escutar? Nós próprios, Os outros. Até Deus.
O silêncio entre outras coisas procura responder algo que a agitação e o frenesi dificulta responder: as inquietações humanas. Muitas vezes a agitação é fuga das inquietações. A vida em plenitude passa paradoxalmente pela fragilidade e debilidade. A fecundidade brota da aparente infecundidade total. O silencio que nos aproxima de nós mesmos inverte a lógica do senso comum.
No silêncio somos capazes de escutar nosso próprio silêncio. É preciso tempo para ouvir o silêncio. O escritor e psicanalista Rubens Alves (1933-2014) em seu livro O amor que acende a lua falava em “ouvir o silêncio”. Parafraseando Alberto Caeiro: ”Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma”.
O silêncio numa tradução cotidiana é falar consigo mesmo, ter mais paciência consigo mesmo, procurar se conhecer mais e melhor. Aprender a silenciar-se é um ato de amor próprio, silenciar os próprios barulhos. Nosso interior e subconsciente existe uma voz que precisa ser ouvida no silêncio, se ignorarmos essa voz podemos perder o controle de nossa vida. Fundamental essa voz interior não pode ser calada porém pode ser abafada por inúmeros ruídos que nos cercam. Escutar o que o interior fala. O que a voz da alma fala. O fundador da psicologia analítica Carl Gustav Jung (1875-1961) dizia: “Quem olha fora sonha, quem olha dentro desperta”. É preciso vasculhar o próprio interior.
Quantas vezes na nossa vida experimentamos um sucesso precisamente porque não tivemos sucesso? Quantas vezes constatamos que uma fecundidade brota justamente de um fracasso? Ás vezes, o único modo de vencer é render-se. A vida com seus silêncios tece-seno cruzamento de tantos encontros e, quem sabe, também de tantos desencontros.
O ser humano nem sempre é capaz de caminhar verdadeiramente sobre aquilo que nos assusta , de caminhar, assobiando, à beira do abismo que bordeja a nossa vida. Desejamos , mas não somos tão corajosos. Porém chamados a ousar.
Perante as dúvidas e tempestades da vida, somos chamados a escutar o coração nosso e da vida. Escutar o silencioso murmúrio de Deus, recuperando essa dimensão absoluta que é o silêncio, a oração, a escuta meditada do grande e quieto oceano da presença de Deus .
O escritor João Guimarães Rosa (1908-1967) se referindo ao silêncio disse: “O senhor sabe o que é silêncio? É a gente mesmo, demais”.
Só a escuta do profundo do coração humano e da vida, só uma fé enraizada e aberta a esperança nos permite desafiar os nossos medos. Não por arrogância, mas por infinito amor, por inoxidável paixão. Viver é perguntar-se continuamente. Viver é fazer muitas escolhas, porém buscar é fundamental e extraordinário. Só assim podemos chegar à outra margem. Como dizia Guimarães Rosa em sua obra Grande Sertão Veredas: “Quem elegeu a busca não pode recusar a travessia”. E ainda Guimarães Rosa: “ O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.

Prof. José Pereira da Silva