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domingo 22 dezembro 2024
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Fé e Razão – Cultivar a gratidão

Gratidão: palavra muito conhecida, nem sempre refletida e praticada. A psicologia positiva e as neurociências asseguram: aprender a ver os presentes de cada dia torna-nos mais felizes. Para quem tem fé, gratidão é sinônimo de ação de graças. Ela está não só no coração, mas é o coração da nossa fé. A gratidão é uma prática simples porém fundamental.

A gratidão é uma disposição interior de cada pessoa. A gratidão é a tomada de consciência de um benefício recebido, que nos toca, e pelo qual somos conduzidos a agradecer ao seu autor. É uma virtude humana, quer dizer, uma disposição interior adquirida por repetição quando fazemos o bem, facilmente, e com alegria. A gratidão é a nossa resposta ao amor transbordante a Deus, que nos deu o dom da vida.

A gratidão deve ser sempre trabalhada. Segundo o nosso caráter, somos mais ou menos inclinados para ela, mas todos podemos trabalhar para cultivar esta atitude. A gratidão compara-se a um músculo, que podemos exercitar para ganhar em espontaneidade. Os momentos da gratidão são três: reconhecer o benefício, sentir a emoção que dele deriva, agradecer, concretizando uma ação. Cada um corresponde a uma faculdade do ser humano: a inteligência, a afetividade, a vontade. Por isso a gratidão equilibra-nos, ao mobilizar-nos inteiramente.

A poeta francesa Marie Noel (1883-1967) narra nas suas Notas íntimas como fez evoluir o seu exame de consciência da noite nas litanias do Obrigado: “Já não procuro os meus pecados, mas as minhas dívidas. Revejo no meu coração tudo aquilo que recebi de outros ao longo do dia, toda a pequena – ou grande – bondade do homem que me deu uma esmola, depois do padre que me disse a missa da manhã (…), até à mulher que colheu no seu jardim um punhado de azedas para a minha sopa”. E acrescenta: “Creio que este exercício de reconhecimento tão confiante, tão afetuoso, deve agradar a Deus tanto quanto a mim – bem mais que, dantes, as minhas escavações da consciência.
E ainda: “Se eu fosse madre abadessa, ou simplesmente mãe de família, ensiná-lo-ia às minhas filhas”.

Pode ter-se um caderno onde se anota a cada dia pelo menos três coisas belas que se viveram. Partilhar as suas notas com o companheiro (a) ou um amigo (a), para se entreajudar e iniciar um diálogo fecundo. Igualmente, redigir as listas dos 15 grandes momentos da sua vida, para os agradecer a Deus, e relê-la regularmente, de maneira a permanecer confiante na sua presença ao seu lado.

Programar tempos de paragem durante o dia para tomar consciência de que se é amado por Deus e habitado por sua presença. Dirigir-lhe algumas palavras, antes de retomar a atividade.

Não é a felicidade que nos insere na gratidão, mas a gratidão que nos insere na felicidade. Guardar os presentes de cada dia, que infelizmente muitas pessoas não percebem. Não se trata de interditar as emoções negativas, mas de deter-se nos bons momentos. Adotar essa atitude tem efeitos benéficos em todos os domínios da vida: a confiança em si e a aceitação do seu corpo, as relações familiares ou de amizade, a vida espiritual, e mesmo um modo de vida mais sóbrio. Dizer obrigado e senti-lo muitas vezes muda a vida. É fundamental acolher o instante como um presente. Pouco a pouco, é um estado geral que se instala, uma disposição para ver o belo, que foi a fonte de profundos intercâmbios de felicidade.

Prof. José Pereira da Silva