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terça-feira 12 novembro 2024
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Fé e Razão – Cuidar do essencial da vida

Se penetrarmos nas profundezas do nosso coração, encontramos todos o mesmo desejo: queremos ser felizes. Mas onde e como podemos encontrar a felicidade?, perguntamo-nos. A experiência diz-nos que a felicidade do homem e da mulher só se encontra na medida em que a sua ânsia de infinito é saciada.

Devemos dar um passo a mais. Este desejo de infinito, para o homem, identifica-se com o desejo de ser amado por um Amor que não tem limites. A resposta a esta interrogação é-nos dada pela própria revelação de Deus: “Deus é amor” (1 Jo 4,8). Deus manifestou-se-nos precisamente como o infinito, eterno, pessoal e misericordioso que dá resposta, com plenitude, aos anseios de felicidade que há no coração de todo o homem.

Deus é a fonte da vida; eliminá-lo equivale a separar-se desta fonte e, inevitavelmente, a privar-se da plenitude e da alegria. Sem o Criador a criatura esvai-se. Podemos vê-lo nas múltiplas experiências e tentativas que aconteceram e acontecem na nossa sociedade, de construção de um “paraíso na terra” à margem de Deus.

O problema do coração de homem só se resolve definitivamente no encontro com o Coração de Deus. A esse respeito, diz Santo Agostinho ( 354-430 d.C.): “Fizeste-nos, Senhor, para Ti, e o nosso coração permanecerá inquieto até que de Ti descanse”. A inquietação de que fala Santo Agostinho refere-se à dificuldade de alcançar o Amor, como conseqüência da nossa condição de criaturas; somos finitos. Uma e outra vez tropeçamos na pedra do nosso egoísmo, da desordem das nossas paixões que nos impedem de alcançar esse Amor.

Em Jesus Cristo, Deus foi ao encontro do homem, e nós, homens e mulheres, amou-nos com coração humano.
Deus nos fez para a felicidade, mas é um segredo escondido no fundo de nossas almas, e por isso muitos não o encontram. O nosso mundo pós-moderno atingiu os mais altos níveis de avanço tecnológico, mas não atingiu o mesmo grau de felicidade. Nossa sociedade confunde muitas vezes prazer e felicidade. O prazer pode durar um instante e passa; a felicidade é a alegria do espírito, que quando passa deixa sabor de vida.

A verdadeira felicidade é construída no dia a dia da vida. Ela não está fora de nós necessariamente, mas em nosso interior. Ela depende do que você é, e do que você faz. Existe um ditado oriental que diz: “Se você quer saber como foi seu passado, olhe para quem você é hoje. Se quer saber como vai ser seu futuro, olhe para o que está fazendo hoje”.

A grande crise dos nossos tempos é o conflito do ter e do ser. Santo Agostinho dizia: “Não andes averiguando quanto tens, mas quem tu és. Só é autêntica a felicidade que não é feita de coisas materiais. Ela é feita de coisas que não se pode tocar com as mãos e nem ver com os olhos: a bondade, a paz, o amor, a segurança, a alegria etc.”

Nunca como hoje, o homem e a mulher precisam tanto de meios para conter as próprias frustrações e tanta fuga na bebida, no fumo, na droga, nas relações tóxicas.

A tecnologia satisfez as necessidades do corpo humano, mas não satisfez as necessidades da sua alma. Arnold Toynnbee(1889-1975) disse que “tornamo-nos deuses na tecnologia, mas permanecemos macacos na vida”.

A felicidade está na virtude; sem ela não é possível fazer nada de bom. A felicidade mora em uma vida equilibrada, pautada pela virtude, dedicada a fazer o bem aos outros desinteressadamente. Para ser feliz é preciso ser equilibrado.

A vida não dá nem empresta; não se comove. Tudo quanto ela faz é retribuir e transferir aquilo que nós lhe oferecemos.

O grande físico francês André Marie Ampère (1775-1836), dizia que “ainda que possuísse tudo o que se possa desejar no mundo, uma coisa me faltaria: a felicidade dos outros”. É preciso viver para servir e amar. Só o amor constrói o homem e o mundo.

A grandeza da pessoa humana está em construir-se; melhorar a cada dia o seu interior; sua capacidade de fazer o bem e de ser maduro e equilibrado. É preciso cuidar do essencial da vida, numa sociedade com tantas solicitações.

O mundo exterior não pode nos satisfazer por inteiro; é no nosso interior, rico e misterioso que nos encontramos, nos satisfazemos e nos completamos. A vida deve ser construída naquilo que os olhos não vêem, mas que é essencial: amor, honra, saber, solidariedade, ética, caridade, bondade, mansidão, força de vontade, humildade, perseverança, paciência.

Numa sociedade fragmentada, as pessoas encontram-se em tensão, as vezes lacerante, entre multiplicidade de sentimentos, desejos, medos e a exigência de encontrarem nelas mesmas o seu centro. Existe o grande perigo da desintegração interior do homem. Diante disso é preciso buscar a unidade interior que inicia o processo de unificação do coração e das relações conosco mesmos, com os outros, com a vida e com Deus.

Prof. José Pereira da Silva