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sexta-feira 15 novembro 2024
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Fé e Razão – Consciência solidária e comunitária diante da pandemia

De onde nos virá a salvação do coronavírus? Todos esperamos que alguém diga uma das palavras mágicas: vacina, tratamento, cura. Mesmo iniciando o regresso a um cotidiano possível, sentimo-nos ainda tolhidos pelo medo, por muitos medos, mesmo que não ousemos confessá-lo. Medo de morrer,sim, mas também medo do sofrimento que a nova doença provoca em histórias que ouvimos contar.

Num instante, fomos obrigados a tomar decisões, adaptar métodos de trabalho, recriar quotidianos, reorganizar espaços. Também de repente, milhares de aviões ficaram pousados no chão, indústrias foram obrigadas a parar, serviços ficaram em suspenso. E o ar ficou mais limpo, os animais e as aves voltaram a cantar perto de nós.

Vimo-nos forçados a fazer tudo isso e a tentar resolver problemas para os quais ficaram desempregados ou com o emprego suspenso em lay-off, a ter de trabalhar e dar assistência aos mais novos que, por sua vez, passavam a ver o professor e o educador através de um ecrã.

Vimo-nos a reaprender vocábulos esquecidos: contágio, quarentena, abandono, peste, pânico social, isolamento, hospital de campanha, sofrimento, morte, medo. Mas também reaprendemos, aperfeiçoamos, reinventamos a solidariedade, os gestos de proximidade, o risco assumido em nome da ajuda a quem precisava, tal como já tinha igualmente sucedido noutras épocas da história.

Estamos todos no mesmo barco e ninguém se salva sozinho. Poderíamos levara metáfora mais longe: estamos todos no meio de uma mesma tempestade.

E, afinal, percebemos que quem nos salva não são os grandes financistas ou grupos econômicos, não são os bancos que guardam o nosso dinheiro para emprestar tantas vezes, não são políticos ignorantes, egoístas ou impostores.

Pelo contrário, quem nos salva são os que normalmente não valorizamos, esquecemos ou desprezamos: funcionários da limpeza ou da coleta do lixo, caminhoneiros e trabalhadores de supermercado, agricultores e bombeiros, padres e voluntários, enfermeiros e médicos, professores e educadores, agentes de segurança e de proteção civil, etc.

Um batalhão de verdadeiros heróis, de pessoas comuns e habitualmente esquecidas, que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas grandes passarelas do último espetáculo. Pessoas que : “hoje estão , sem dúvida , escrevendo os acontecimentos decisivos da nossa história e a tecer e sustentar as nossas vidas”, como disse o Papa Francisco.

O primeiro dever de cada um de nós é cuidar do próximo. É evitar que, por negligência, por desconhecimento, ponhamos em risco a saúde do outro. É preciso uma estratégia coordenada de supressão do vírus.

Não podemos sair daqui mais sós, mais auto-centrados, menos solidários. Nem querer voltar à recuperação da economia que, em muitos discursos,mais não é que o querer continuar a consumir esforços de quem trabalha e recursos de um planeta que já está exangue, debilitado. Teremos que retomar os profundos significados que a pandemia nos leva a refletir: a capacidade de reinventar leituras, a expressividade das propostas e o despojamento.

Se a salvação da doença nos virá da ciência, a salvação da humanidade virá apenas da consciência solidária e comunitária. E aí, qualquer pessoa , mas cada um, em concreto, tem de apelar ao melhor de si mesmo.