No romance Serotonina, de Michel Houellebecq, a dificuldade de ser feliz (não diagnosticada como depressão patológica, mas antes como mal-estar existencial) é tratada pelo protagonista como o recurso massivo aos antidepressivos, que conseguem tornar-lhe pelo menos tolerável o difícil passar do tempo.
Temos aqui uma realidade disseminada e inquietante: a crescente dificuldade do mundo adulto de fazer frente a ansiedade, à tristeza e à dor através do desenvolvimento de recursos interiores e pessoais. O luto por uma morte ou um abandono, a perda do emprego, as contrariedades existenciais, geram sentimentos de ansiedade vividos muitas vezes como intoleráveis, e o uso das categorias da linguagem especializada, indispensável quando corretamente utilizada, arrisca-se a ler os pedidos de ajuda apenas no contexto da patologia, que exige intervenções especializadas de tratamento.
Entre estas, os psicofármacos representam um apoio muito eficaz, dado que conseguem modular rapidamente emoções e sentimentos, diminuindo-lhes o impacto; precisamente por isso, no entanto, o seu uso pode por vezes representar um perigoso atalho em relação aos problemas complexos colocados pela existência, com as interrogações de sentido que trazem sempre consigo.
De maneira subseqüente a estas considerações, o que emerge como ainda mais preocupante é o aumento de pedidos que chegam da neuropsiquiatria infantil por causa de distúrbios ligados à ansiedade e à depressão nas crianças e adolescentes, que se manifestam com ataques de pânico, fobias escolares e sociais, perturbações no sono e na alimentação, e que não raro conduzem à utilização de psicofármacos. É como se os adultos, incapazes de conter e modular suas emoções, deixassem de ser capazes de fornecer às crianças o suporte que lhes é necessário.
A criatura humana precisa de uma longa gestação: uma gestação física, que requer ser contido durante nove meses no corpo de uma mãe, mas também uma longa e complexa gestação psíquica, que exige ser contido na mente de adultos capazes de proteger, orientar e ensinara ler a complexa realidade que nos rodeia, graduando a intervenção em função da idade da criança.
Os adultos naturalmente chamados a esta responsabilidade são, em primeiro lugar, o pai e a mãe, mas no decurso do desenvolvimento esta tarefa compete a toda a geração adulta: quer as pessoas mais próximas da criança (parentes, professores) quer as que estão distantes delas.
Com efeito, os filhos de uma geração são, de alguma maneira, os filhos de todos os adultos que os acompanham na vida, e é graças a esta contenção psíquica, também cultural, que a criança adquire, entre outras, duas competências cruciais: a de dar um sentido às coisas e a de regular de maneira eficaz as suas emoções.
Adquire-as de forma progressiva, se durante um tempo suficiente os adultos assumem a responsabilidade de a proteger: adultos que sabem tornar seu mundo um lugar seguro, que sabem apaziguá-la quando está assustada, que a resguardam dos estímulos que criam demasiado medo ou demasiada excitação, que a ajudam a esperar, que a ensinam a tolerar um pouco as pequenas e inevitáveis frustrações da vida.
E que lhe fazem sentir, sobretudo, que a vida tem um sentido.
Mas os adultos só podem fazer isto se lhe compreenderem o valor e a importância, ao ponto de, se necessário, colocarem em segundo plano algumas exigências de satisfação pessoal. Caso contrário, as crianças ficam à mercê das nossas contradições, que as deixam expostas a uma ansiedade que são incapazes de gerir sozinhas.
Prof. José Pereira da Silva