O ser humano é “homo viator”, ou seja, homem viajante, peregrino nas estradas da vida e da história. A nossa existência é uma peregrinação, um caminho. “Homo viator, spe erectus”, diziam os antigos, o que significa o homem que caminha, mas em pé e caminha na esperança.
Há muita pressa… no entanto, para fazer da vida uma viagem verdadeira e fecunda é preciso reservar tempo de qualidade, dar-se tempo, e não ter medo da lentidão.
A vida enquanto peregrinação requer a consciência do movimento que se faz e não simplesmente “deixar a vida nos levar”. Movimento que se faz, não pode ser uma corrida, e portanto é preciso colocar o acento no fazer estrada, fazer caminho, para poder ver e sentir e saborear e discernir aquilo que é bom, belo e verdadeiro e aquilo que é mau, feio e que não vale a pena.Caminhando abre-se caminho, segundo a expressão de Antônio Machado (1875-1939). Lemos no Poema XXIX de Provérbios y Cantares: “Caminhante, são teus passos o caminho e nada mais; caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar”.
Uma verdadeira viagem da vida tem origem misteriosamente na nossa psique, onde se acende a curiosidade graças a diversos impulsos: uma palavra, uma imagem, uma recordação, um amor, um perfume… Então nasce o desejo de partir em peregrinação, construir a arquitetura da vida : sozinhos, para apreciar na solidão aquilo que a viagem da vida pode reservar a quem a empreende, ou juntamente com outros, para viver juntos emoções e compartilhamento.
Mais é importante, ao peregrinar na vida, deixar lugar ao não esperado, à surpresa, ao encontro com alguém que nos faz modificar o itinerário. Mesmo se há uma meta a alcançar, a peregrinação aberta às surpresas é mais importante que a meta.
Por isso a bagagem deve ser reduzida ao mínimo, ligeira, essencial. Quem quer levar consigo demasiadas coisas do seu quotidiano nunca viajará bem, como o caracol que leva consigo a sua casa.
Na viagem da vida encontram-se contradições, incidentes, e nem tudo acontece como tínhamos previsto, mas estas situações estimulam criatividade, abrir os olhos para novas perspectivas, rever valores, ter espírito de adaptação, perseverança.
Aquilo que na viagem da vida é mais importante são as emoções diferentes do habitual: rever a própria vida, retomar caminhos ou deixar outros, alagar horizontes, aprofundar aspectos da vida, contemplar profundamente a vida.
Nada se repete, enquanto na nossa memória acumulamos imagens, sons, palavras, perfumes, rostos que nunca mais nos deixarão e que, do profundo do coração, ressurgirão quando, mesmo a anos de distância, sobretudo quando idosos, recordarmos nossa vida.
Se se está atento e vigilante, peregrinar na vida torna-se um encontro com o mundo, que se oferece a nós através da profusão dos sentidos. Um encontro com os outros, um encontro com nós mesmos.
Não é só olhar a vida, ainda que olhar seja a primeira operação dessa viagem, mas é mergulhar-se em nós mesmos , é saborear a vida.Peregrinar é um exercício de sensualidade, porque um corpo que se move entre os corpos é o olho que encontra a luz, é o ouvido que percebe a colocação do outro, é o tato que sente o frio ou o calor, enquanto os pés tocam a terra numa relação viva. É sentir a vida que se vive em seu dinamismo vital. A vida deve ser vivida e construída com amor e responsabilidade. Não podemos desperdiçar esse dinamismo vital. Como dizia o poeta Mário Quintana ( 1906-1994) : “Não faças da tua vida um rascunho. Poderás não ter tempo de passá-la a limpo”.
Devemos peregrinar, sem medo, e sobretudo mantendo leve nossa bagagem, assim poderemos ir longe! Peregrinar é ir encontrando o essencial e a simplicidade. Desapegando do acidental e do superficial. Daquilo que pesa na existência e dificulta a caminhada rumo a nossa essência e nossa profunda realização humana. Na caminhada Deus nos acompanha: “Estou conosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20). Deus acompanha sempre, mesmo que por ventura o ser humano esqueça Dele. É a descoberta de ser amados e acompanhados por Deus, de nunca sermos deixados sozinhos por Ele.
Na consciência de que a peregrinação, se for vivida com amor, responsabilidade e inteligência, é um livro da biblioteca da vida!
Prof. José Pereira da Silva