Vivemos hoje, em plena era tecnológica, o trunfo da correção automática. Iphones, ipods… Os teclados colocados à nossa disposição são tão ágeis que nem precisamos olhar para eles. Podemos digitar uma mensagem a uma velocidade recorde, e supostamente corrigindo os nossos erros de escrita.
A publicidade, cada vez mais agressiva, explica que o corretor automático tem a enorme vantagem de nos fazer poupar tempo. Mas para quê?
Também nas relações pessoais existe a tentação do corretor automático. Quando, por exemplo, nos agarramos como um totem à letra da lei, ao ditado de uma tradição, aos estreitos termos de um ponto de vista sem olhar a mais, como resolução para todos problemas que surjam. Ou quando desatamos a corrigir os outros por tudo e por nada. Ou quando funcionamos por receitas e chavões. Nem precisamos olhar para as pessoas: basta-nos citar maquinalmente o número da regra que estão infringindo naquele momento, ou a nossa prescrição avulsa que resolve tudo.
Sem dúvida que dessa forma se poupa tempo. Mas sabemos que a vida não é assim. A vida é uma construção paciente. A sua maturação, não só a externa, mas também a interior, segue um processo delicadíssimo. Os seus fios são tênues e frágeis mesmo quando parecem longos e indivisíveis.
Se quisermos chegar á fonte escondida de um coração, temos de aceitar andar muito devagar. Pode até ser um exercício extenuante, mas não há outra forma. “Se alguém te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas”, disse Jesus (Mt 5,41). E Ele sabia do que falava.
No Novo Testamento correção significa literalmente “pôr no coração, coloca na sua mente, prestar atenção a “. O contrário, portanto, da indiferença, da condescendência, do confronto impreparado ou prepotente, que são as nossas patologias mais freqüentes na relação com os outros e com as suas fraquezas. A freqüência deste termo nos clássicos era enorme, desde Homero a Platão, revelando uma sintomática solicitude. Este último, no diálogo denominado Eutidemo, assim a frese seguinte: “Amo-te, mas corrijo-te com amizade”.
A palavra será depois muito utilizada por São Paulo e pelo ambiente paulino. Como aparece claramente na Carta aos Efésios, ele consiste num termo que deve reorientar, mas sem esmagar ou exasperar aquele que a recebe (Ef 6,4. E ganhará uma forte coloração ligada ao cuidado do outro.
É interessante olhar a sucessão de verbos que nos sugere a Primeira Carta aos Tessalonicenses (5,14): exortar, corrigir, encorajar, suportar. Estes verbos iluminam-se e explicam-se mutuamente.
Por conseguinte, a correção, não só não é automática, como também não deve ser espontânea. Não é um impulso emocional que mistura impaciência e frustração. Não é uma explosão de humor.
A correção pressupõe uma aprendizagem. Por isso seria absurdo considerar a correção como um fim: é um estrutura, uma mediação colaborativa, um apoio para uma construção esperançosa. Corrigimos melhor quando olhamos de maneira solidária para a dificuldade que está em causa, e apontamos com confiança na superação da prova. E devemos sempre evitar que a correção seja a nossa única forma de relação com alguém. Quem apenas corrige, não corrige.
Por José Pereira da Silva – Professor de História