Devemos sempre refletir que o silêncio é um estado de alerta que predispõe para um encontro. Existem pessoas que encontram o silêncio através da música, porque a verdadeira música é, na realidade, a articulação do silêncio.
O Mundo contemporâneo perdeu muito do vocabulário requerido para falar da interioridade. Mas isto não significa que a inquietação por uma vida interior seja menos forte. Sob certos aspectos, esta pode inclusive ser mais intensa, mas resulta frustrada e não tem modalidades de expansão adequadas.
Toda a prática que permite a redescoberta desta dimensão do ser é potencialmente bem-vinda; ainda que, fora de uma moldura da fé, há sempre o risco de confundir os meios com o fim.
O silêncio sem Deus é uma função da ausência, onde o confronto radical consigo próprio aumenta um sentido de solidão. Para quem tem fé, o silêncio é um estado de alerta para estar pronto para um encontro e uma comunhão.
Dag Hammarskjold (1905-1961), o desaparecido secretário-geral da ONU (1953-1961), quis uma sala do silêncio no Palácio de Vidro de Nova Iorque, porque a meditação, sustentava, era importante antes de tomar decisões políticas.
Cada pessoa pode fazer silêncio, quer tendo ou não espaços destinados a isso. Isso requer coragem, força de vontade e prática.
O teólogo e Beato Cardeal John Henry Newman (1801-1890) dizia: “Estar confortável significa não estar seguro” O nosso tempo – era a tese do filósofo inglês Roger Scruton (1944-2020) – tem a mania de tornar segura cada coisa: a vida, o trabalho, o amor… Mas sem perigo não há risco. Estar em silêncio significa estar abertos ao que pode acontecer na escuta. Significa não ter todas as respostas.
Um dos paradoxos do nosso tempo, no qual a nossa fragilidade é tão patente, não só na crise da Covid-19 com as suas consequências, é que fazemos tudo aquilo que podemos para calcular e eliminar o risco. Mas viver é arriscar. Arriscar é uma maneira de ser livre. O que torna o ensinamento de Jesus Cristo tão atual e, em sentido literal, provocatório, é a sua insistência neste ponto. Ele di-lo em muitos momentos: seguir-me é perigoso, mas correr este risco é a maneira de ser livre e, em definitivo, alcançar a alegria.
Parece legitimo perguntarmo-nos: a nossa coletiva e obsessiva busca de segurança, por absurdo, nos conduzirá sobretudo a sentirmo-nos fechados e tristes?
O nosso tempo é desconfiado para com as palavras. Todavia, conhece o significado do desejo. Deseja confusamente, sem saber o quê, a não ser a sensação de ter em si um vazio que precisa ser preenchido.
Muita da dor interior pode ser inscrita na insatisfação e no desejo não satisfeito. Reconhecer o desejo é, de qualquer modo, potencialmente humilhante e perigoso ( o risco) quanto mais me faz compreender que não tenho tudo o que quero, que não sou tudo aquilo que gostaria de me tornar ou ter dentro de mim. Isto é contrário ao espírito do nosso tempo, que nos pede para proteger uma nossa imagem de sucesso, triunfo e plenitude. Quantos de nós tem verdadeiramente vidas assim? O stress de projetar uma imagem de nós próprios que não corresponde à nossa verdade mais profunda pode quebrar uma pessoa na sua vitalidade, ao ponto de ameaçar o inteiro sentido de si.
Ao contrário, quanto é gratificante encontrar homens e mulheres que estão em paz com sua incompletude, o que lhes permite estar num estado de maturação, recebendo esse crescimento com um dom, em vez de o reclamar como uma conquista. Ser pioneiros na autenticidade. Existe uma profundidade que só o silêncio pode preencher.
Prof. José Pereira da Silva