O veredicto que os médicos de Roma colocaram no papel, Federico Fellini, grande diretor de cinema, projetou com toques de gênio nas telas iluminadas. Num de seus últimos filmes, “Orquestra Desafinada”. Fellini retrata a anarquia e a desorientação do século XX.
A orquestra – resumo e microcosmo da sociedade hodierna – é um bando de neuróticos , infelizes, desajustados, que tentam escapar do vazio, do tédio e da solidão, através do culto apaixonado de seus instrumentos musicais.
Um após outro enlouquece, rebelando-se frontalmente contra o maestro. No final da película, numa confusão generalizada de gritos, recalques e explosões doentias, a orquestra inteira se desintegra. O maestro fica só, arrasado, ruminando seu fracasso.
– Deu a lógica inevitável. Eles sofriam de solidão. Explodimos todos, carentes de amor.
Genial, muito clara, a parábola de Fellini. Nas linhas e entrelinhas do seu filme, agente descobre o rosto enrugado, sofrido e angustiado do mundo contemporâneo, semi-demente, combalido, em marcha acelerada para a desintegração.
As guerras matam. O ódio e o egoísmo cavam abismos, levantam muros e geram separações. Carente de fraternidade, desvinculada de Deus, a orquestra humana desafina, entorta, desequilibra, enlouquece. Civilização, sem valores espirituais, definha melancolicamente, como nos lembra Exupéry: “ O espaço do infinito, lá onde ele pode abrir suas asas, é o silêncio”.
Por José Pereira da Silva – professor de História