Somos chamados à transcendência, somos feitos para o além… Temos em nós as marcas do sopro divino que nos lança para fora de nós mesmos ora para buscar alento, buscar forças, buscar luz para iluminar a escuridão, ora para agradecer.
É um misto de fé, de confiança, de medos, de esperança, de incertezas e certezas que o peregrino da vida leva em seu coração.
A pessoa vive a experiência de transcendência nos mais diversos níveis e formas. Por si e por sua natureza sente necessidade de transcender e tem capacidade inata de fazer estas experiências como possibilidade de sair de si e ir além. Há momentos na vida que somos chamados e impelidos a ir além de nós mesmos, de nossas limitações e crescermos humanamente e espiritualmente; revermos nossos conceitos e nos refazermos para sermos fiéis a nossa essência. Somos chamados a dar um passo além do que acreditávamos ser capaz. É o momento que descobrimos tesouros escondidos no profundo do nosso ser. É a abertura para uma vida mais plena de sentido. É mudança de caminho que abre novas e profundas perspectivas existenciais. O amor genuíno é um dos ingredientes fundamentais desse processo.
Esta possibilidade facilita a pessoa a não fechar-se em si mesmo, nem paralisar-se, porém, existem situações em que alguns bloqueios ou problemas do momento fazem com que a pessoa se feche e fique paralisada em seus medos e inseguranças, impedindo uma experiência de entrega e crescimento tanto no nível psíquico, quanto espiritual.
Como seres vivos não nascemos para ficar parados, imersos nos problemas, dificuldades e dores; o desejo de superação é inato, uns com níveis mais elevados, outros com menos, dependendo do temperamento, da história pessoal, do ambiente e outros fatores que fazem parte da vida de cada um.
Cada etapa da vida tem sua experiência de transcendência. Observa-se isso na vida familiar, profissional, social e religioso. Toda pessoa humana cresce, se desenvolve por meio da experiência humana de acolhida, amor e desamor, aceitação e rejeição, bem como de transcendência, porque dotada de espírito e alma, portanto, é um ser humano e espiritual. Aquela pessoa que possui vitalidade espiritual anseia por algo maior, um novo Outro (Deus) que venha ao encontro de sua finitude e limites. Diz Santo Agostinho (354 d.C – 430 d.C): ”Inquieto está meu coração até descansar em ti” (Confissões 1,1). A abertura do espírito se manifesta por uma abertura e desejo de crescimento.
O dinamismo e a vitalidade psicológica e espiritual devem ser cultivados, educados, orientados por meio de exercícios de meditação, oração, leituras, momentos de silêncio e encontros profundos consigo mesmo e com Deus. Estimula a pessoa a crescer, o que, de per si, vai proporcionando mudança interior e consequentemente no ambiente onde vive.
Nas pessoas que se fecham em si mesmas, estas experiências podem ficar atrofiadas, limitadas, pois vão se habituando a ficar na inércia, na apatia com empobrecimento psíquico e espiritual.
O fugir de si mesmo, o não enfrentar os problemas existenciais e as inquietudes, aumenta o vazio e a falta de sentido da vida. Se nos lançamos em atividades e nos esquecemos de dedicar algum tempo a nós mesmos para reconhecermos que somos imagem e semelhança de Deus, viveremos angustiados, vazios.
A valorização do ser espiritual é importante, pois por ele sabemos que temos dentro de nós poder para mudar nossa a vida. O homem e a mulher que tem o eixo em si mesmo, que se conhece, é um ser liberto… isso exige um longo processo. A vida humana é cheia de riquezas e fraquezas. A espiritualidade é a dimensão profunda do ser humano. O ser humano desce à profundeza do ser mortal para encontrar a vida, encontrar sua essência. Nesta experiência profunda de si e do Deus da vida acontece o reconhecimento do nada que lhe é devido, e do tudo que lhe é dado. O simples ato de respirar, de pensar, de compreender, de amar é um presente, é um dom.
Diz Santo Agostinho: “Senhor, tu estavas, certamente, diante de mim, mas eu me tinha afastado de mim mesmo e não me encontrava. Quanto mais a ti? (Confissões 5,2,2). Encontramos o Senhor no encontro interior do nosso eu.
No interior reside a dignidade do homem e da mulher, que é imagem e semelhança de Deus. Deus habita no mais profundo do si mesmo.
No caminho de integração devemos tomar a sério a nós mesmos com um projeto a realizar-se na existência temporal, junto com os outros, em coesão social, o que implica tomar a sério os irmãos de caminhada, a convivência humana e dar sentido à vida na sua cotidianidade no aqui e agora. Conquistar a maturidade humana é uma exigência e um critério básico e universal, irrenunciável para todas as espiritualidades. A efetiva capacidade de humanizar as pessoas, de humanizar a vida cotidiana, de humanizar a história e o mundo, é tarefa de cada ser humano.
Podemos ilustrar isso com as palavras de um homem que viveu a maturidade humana na sua espiritualidade hindu, enamorado da experiência espiritual de Jesus Cristo, Mahatma Gandhi (1869-1948): “ Se quando colocamos a mão na água para lavar-nos ou banhar-nos e quando cozinhamos a comida ou a comemos e quando alinhamos as colunas de números na contabilidade ou trabalhamos a terra do campo ou exercermos qualquer outra profissão e quando falamos e nos relacionamos com outras pessoas em qualquer lugar, se não vivermos exatamente a mesma vida religiosa como se estivéssemos orando a Deus, o mundo humano jamais se salvará”.
Prof. José Pereira da Silva