O que é a plenitude da alegria? Quanta alegria é possível verdadeiramente experimentar neste vale de lágrimas? Qual é a felicidade a que podemos realisticamente aspirar nas contradições da vida?
A humanidade que deveria exultar sobre toda a terra continua ferida e sofredora. As catástrofes naturais continuam a acontecer, e para populações inteiras as carestias não são uma recordação do passado. As guerras recomeçam sempre, apesar do empenho de muitos construtores de paz. Os acidentes nas estradas acontecem.
O mal não cessa de morder a carne dos mais frágeis, nas formas mais diversas, mas também não poupa ricos e poderosos. É possível, é lícito a alegria nestas condições?
Não se trata de uma alegria falsa, forçada, ou que no máximo abrange apenas poucos momentos da vida ou um restrito número de afortunados?
A alegria cristã existe, e é autêntica. Precisamos dela precisamente para enfrentar os compromissos e os cansaços da vida, como ensinava às suas irmãs Santa Teresa de Calcutá. Mas não é uma alegria excessiva, impudente, agressiva.
Não solicita manifestações eufóricas e intemperantes. Manifesta-se na luz dos olhos, mas brota e permanece no íntimo. É alegria incontida, mas moderada. É inebriamento sóbrio e espiritual. É uma felicidade visível , mas nunca ostentada. Não suscita a inveja dos sofredores: antes, consola-os e contagia-os.
A alegria cristã não é cega diante das dores da vida. Não é otimismo obstinado e obtuso, nem voluntária autoilusão. Não se contenta com um pensamento cor-de-rosa perante o persistente mal de viver.
O ano passado ouvimos repetir, como um mantra, que correrá tudo bem, e nas redes sociais partilhavam-se fotografias coloridas e tolas.
Tentativas miseramente fracassadas de exorcizar o medo. Não correu tudo bem, Muitas pessoas adoeceram e muitas morreram. Muitíssimas sofreram pesadíssimos danos econômicos. E ainda não acabou. Os males do mundo não são apenas a pandemia.
Contudo, tudo isto não prejudica a verdadeira alegria cristã. Podemos, devemos, continuar a cultivar e manter a verdadeira alegria. Porque, como cantava Leonard Cohen na música Hallelujah: “Um amor não é uma marca da vitória. É um frio e sofrido Aleluia” (“Love is not a victory march: it’s a cold and it it’s a broken Halleluja”).
A alegria é filha do amor, e o amor, quando verdadeiro, não é uma marcha triunfal. Ainda não, por agora. O amor é mistura de felicidade e de sacrifício, em simultâneo, incindivelmente.
O tempo da história é ainda o tempo de uma alegria muitas vezes frio e despedaçado. Uma alegria firmemente desejada, consciente, ferido pelas provações da vida, e todavia pleno de confiança, porque animado por uma esperança invencível.
A Bíblia diz que: “A alegria do coração é a vida do homem, e um inesgotável tesouro de santidade. A alegria do homem torna mais longa a sua vida”. (Eclo 30, 22-26). A alegria não está nas coisas, mas em nós. A tristeza não ilumina os caminhos.
A alegria cristã radica-se em Deus. Sim, ainda não está tudo bem, mas a alegria cristã não é um sonho para gente iludida. Estamos nas mãos de Deus. Sempre. “Alegra-se o meu coração e exulta a minha alma: (…) porque não abandonarás a minha vida nos infernos…” (Sl 15). Eis a fonte da verdadeira alegria, a viver em plenitude.
Prof. José Pereira da Silva