• Rogério Miguez
Um dos entendimentos predominantes em mundos de provas e expiações, como o nosso, se traduz na expectativa em receber alguma coisa em troca pelo bem realizado. Um atestado evidente do quanto ainda vivemos egoisticamente.
A perspectiva de um Espírito individualista, interesseiro, comodista, aponta sempre para alguma gratificação em retribuição aos seus possíveis atos bondosos, pois ele ainda acredita na perda do que dá, daquilo oferecido, mesmo sendo uma doação imaterial. Há uma sensação no doador de ter sido lesado, subtraído de algo que lhe foi conseguido a duras penas; era sua propriedade, lhe pertencia, portanto, nada mais justo do que receber um “agrado” de Deus, em função de seu incomensurável ato de bondade espontânea e “desinteressada”!
Observa-se com frequência, na literatura espírita, menção às recompensas no futuro em retribuição aos atos caridosos ou benevolentes do momento. Mesmo Jesus assim se expressou em algumas ocasiões. Contudo, também há nas obras espíritas, recorrentemente, alusão à realização do bem sem qualquer preocupação de uma possível futura compensação.
Sendo assim, como conciliar as propostas? Posso ser caridoso esperando recompensas? Ou de fato nada devo aguardar em retorno aos meus generosos atos? Parece haver nestas questões uma incoerência, quando uns afirmam sim, enquanto outros dizem não.
Entretanto, tudo é sabedoria nas leis da natureza, a harmonia regendo a vida é primorosa, pois, oriundas de Deus, não poderiam sugerir posições antagônicas em qualquer matéria sem uma explicação bem simples e plausível para o aparente conflito.
Os Espíritos evoluídos já entenderam: quando lidam com o egoísmo enraizado e desenvolvido pelos seres humanos, através dos tempos milenares de suas existências, devem agir com cuidado, aos poucos e com muito tato. Por esta razão, afirmam e incentivam aos que ajudarem, que receberão em troca quando por sua vez precisarem. Dentro deste entendimento o egoísta contumaz aceita dividir o que provisoriamente possui, mesmo sendo bem pouco, para futuramente receber de volta, de preferência multiplicado por mil, o que segundo ele foi perdido, desperdiçado.
Uma vez aceito o mecanismo de troca, ou seja, doou hoje para receber amanhã, ele começa, timidamente, a primeiro experimentar repartir qualquer coisa entre os bens materiais que detém, representados pelos recursos financeiros, roupas, objetos diversos…, sempre com aquela expectativa de que Deus está anotando cuidadosamente os meus magnânimos atos caridosos. Seria como uma poupança material para o porvir: investe agora e recebe com juros no futuro. Materialmente a equação está perfeita para o egoísta.
Eventualmente, com o passar do tempo, o aprendiz de benfeitor passa a observar as expressões de gratidão naqueles que recebem suas minguadas doações; passa a refletir na alegria e contentamento surgindo nos mais necessitados, as expressões de felicidade, mesmo momentâneas; o sorriso de uma criança carente ao receber um brinquedo no dia de Natal; o olhar de gratidão de um adulto faminto quando ganha um prato de sopa; a euforia de uma família inteira ao obter uma cesta básica; o agradecimento, muitas vezes sem palavras, de um desconhecido a quem se deu um remédio; a fisionomia de ternura de um representante de uma ONG ao saber que poderá contar com uma contribuição mensal, viabilizando as suas tarefas em prol da humanidade. São tantas as possibilidades em ser útil que seria impossível elencá-las todas neste exíguo espaço.
A partir deste momento, começa a surgir, no ainda desajeitado candidato a filantropo, uma percepção nova em seu íntimo. À noite, ou no silêncio de suas horas, reflete consigo mesmo sobre quanta satisfação proporciona dividindo recursos que de ordinário não lhe fazem a menor falta.
Nesta hora, algo inédito sucede: começa a reconhecer o quanto tem sido egoísta, o quanto foi perdulário, o quanto podia ter feito, e, imbuído deste sentimento desconhecido, jamais experimentado, porém agradável e gratificante, passa a fazer o bem pelo puro prazer de fazer o bem, esquecendo definitivamente a possibilidade de obter de volta em futuro próximo aquilo que hoje cedeu de bom grado. Completa-se o aprendizado.
Partiu-se de uma proposta compensadora, acenando com recompensas futuras ao doador, e chegou-se a uma percepção mais apurada de como funcionam as leis do Criador.
Este é o método divino perfeito para a nossa educação neste particular tema, e em qualquer outro.
Fazer o bem sem esperar recompensa
out 15, 2018Bruno FonsecaColuna Espírita (Agê)Comentários desativados em Fazer o bem sem esperar recompensaLike