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quarta-feira 6 novembro 2024
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Exame de sangue

Mas, é chato fazer exame de sangue, viu? Começa com o jejum, de oito a doze horas sem comer, dependendo do exame. Pensa um gordinho 12 horas sem comer? Ah, faça-me o favor.
Aí, só a preocupação com o exame não te deixa dormir. Você rola de um lado para outro na cama e só pensa naquele queijo na geladeira, no molho de salsicha…hummm…pão com salsicha no molho ou pão com ovo frito e queijo prato. Você pensa naquela sobra de frango ou em goiabada com queijo, Oh, tortura.
Balança a cabeça pra esquecer a geladeira e pensa em quê? No armário…na bolacha que está lá te chamando…ela nunca pareceu tão apetitosa como agora. E aquele bolo então? Imagine uma fatia, coberta com manteiga? Ah, meu Deus. Tá de sacanagem essa insônia. Justo hoje? Justamente na madrugada em que não posso comer nada? Quem inventou essa história de fazer jejum no dia de exame?
E depois daquela terrível noite mal dormida e com estômago revoltado e roncando, levantei, fiz meu xixi, lavei as mãos, o rosto, escovei os dentes e tomei uma ducha.
Putz, lembrei do exame. Pronto! Foi o suficiente para as pernas amolecerem.
Prefiro pensar que é fome e não medo. Sim, é isso, estômago vazio e não posso nem tomar um café. Pensa num pão de queijo com manteiga derretida?
É pra deixar qualquer um revoltado com esse jejum.
As pernas estão moles, o coração acelera e a boca não para de salivar, mas sei que é a fome. Não tenho medo de exame de sangue.
Imagine, um homem desse tamanho com medo de uma simples agulhinha? Uma simples picadinha?
Quem foi o idiota que disse que é uma simples picadinha? Simples agulhinha?
Aquele troço que perfura, rasga, destrói e invade sua pele, carne e veia e parece que vai sugar até a sua alma, Oh, meu Deus do céu. Sou homem, não tenho medo de agulha, Ah, tá!
Tremendo (deve ser de fome), chego ao laboratório e, oh, falta de consideração com quem está em um momento de absoluta fragilização, você tem que pegar o papelzinho da senha (que vontade de comer aquele maldito papel), sentar em uma cadeira e ainda ouvir histórias de acidentes, de doenças, ouvir que o sobrinho da tia da amiga desmaiou na hora de tirar sangue, que a enfermeira não achou a veia do fulano e furou o coitado quinze vezes.
— Mas, é assim mesmo. O sujeito tá com medo e a veia se esconde.
Lógico, coisa mais óbvia. Todo mundo tem vontade de se esconder quando está com medo, imagine a coitada da veia vendo aquela coisa pavorosa se aproximando dela?
E os assuntos continuam, o sicrano tá morrendo de uma doença qualquer, o neto do tio da vizinha do Adolfo (o que o Adolfo tem a ver com isso?) sofreu acidente de moto (Coitado. Imagina quantas injeções vai ter que tomar?) e por aí vai. E eu ali, tremendo que nem vara verde (mas, é a fome!) e com vontade de sair correndo.
E, cada sujeito, que termina o exame eu olho com inveja e apreensão e vou me afundando cada vez mais na cadeira. Ouço meu nome e tenho vontade de fingir que não é comigo.
Sou homem, sou adulto e me levanto, caminho com pernas trêmulas para a tortura. Sento na cadeira e vem aquele geladinho do álcool desinfetante, então, a estocada quase fatal, respiro fundo e sinto meu sangue, minha vida, minha alma e todo meu ser fluir para dentro daquela seringa, então a moça tira, bota um algodãozinho, coloca um sorrisinho falso na cara e diz.
— Pronto! Não doeu nada, né?
Ah, faça-me o favor.
E fica aqui o meu mais sincero respeito pelos doadores de sangue. Vocês estão de parabéns. Os hospitais (digo as pessoas) precisam de sua solidariedade. Tem minha admiração.
E eles ainda dizem que não dói nada. Talvez, não doa. Talvez.