Medicamentos usados para enxaqueca, asma e antibióticos se mostraram promissores em análises computacionais e serão testados in vitro
Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) descobriram sete medicamentos com potencial de inativar a replicação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), causador da Covid-19.
A descoberta foi atrelada a uma técnica computacional conhecida como reposicionamento de fármacos, que selecionou mais de 11 mil medicamentos e identificou os sete com a maior capacidade de impedir a replicação do coronavírus em células infectadas.
O próximo passo é comprovar a eficácia deles in vitro e, na sequência, em testes clínicos em humanos. O estudo foi publicado no Journal of Biomolecular Structure and Dynamics.
Segundo Cristiane Guzzo, professora do ICB da USP e coordenadora do estudo, os sete fármacos já são aprovados pela Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos, o que pode facilitar o avanço da pesquisa para testes clínicos (em células humanas), caso a eficácia contra o novo coronavírus seja comprovada em testes laboratoriais.
Nenhum dos fármacos havia sido testado contra a Covid-19 até então, o que pode ser um incentivo para outros pesquisadores, afirma a especialista em biologia estrutural. “A estratégia de usar estes fármacos é porque já são moléculas aprovadas e utilizadas no mercado, e isso facilita para conseguir a utilização imediata, já que todo o processo de validação, de toxicidade e efeitos colaterais está estabelecido”, disse à Guzzo CNN.
A escolha pelo modelo computacional conhecido como QSAR, com base em predição de afinidade, diminuiu a chance de se testar moléculas falsas-positivas em testes in vitro.
“Selecionamos 14 diferentes moléculas para verificar a estabilidade no sítio ativo e obtemos assim os sete candidatos a inibidores da enzima, dando agilidade ao estudo”, explica o primeiro autor da pesquisa, Anacleto Silva de Souza, físico biomolecular e pós-doutorando do ICB.
Dos 11 mil fármacos que estavam contidos no banco de dados de medicamentos DrugBank, 2.500 foram descartados. Dos 8.500 restantes, foram selecionados 14 fármacos para tratamento de enxaqueca, doenças respiratórias, ação antimicrobiana e produtos naturais submetidos à simulação computacional, chegando assim nas moléculas mais estáveis no sítio ativo da principal enzima do novo coronavírus, explica Souza.
Foco é impedir replicação do coronavírus
Por computador, os pesquisadores testaram a ação dos 11 mil fármacos sobre a enzima 3CLpro do SARS-CoV-2, responsável pela replicação do vírus, e selecionaram os que mostraram maior afinidade em desativar a enzima e, por consequência, evitar que o coronavírus se replicasse em outras células.
A hipótese do estudo simula que, ao inativar a ação da 3CLpro, o vírus deixa de se replicar e de se proliferar, tendo como consequência a diminuição da carga viral e impedindo que a Covid-19 se torne grave.
“Desenvolvemos três modelos matemáticos para prever a afinidade de fármacos, aprovados pelo FDA, na interação com 3CLpro. Selecionamos os mais promissores, que representam melhor afinidade pela enzima”, disse Souza à CNN.
A escolha em focar na ação da enzina 3CLpro do coronavírus diferenciou-se de outros estudos, muitos deles focados na proteína spike. O SARS-CoV-2 entra na célula quando sua proteína spike se liga ao receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (chamada de ACE2 em inglês) na superfície da célula. “O SARS-Cov-2 usa nossas próprias células para produzir mais vírus, e nós estamos tentando inibir que o vírus se replique”, disse Guzzo.
Algumas vacinas contra Covid-19 usam partes da proteína spike inativadas em sua composição.
Se comprovada a tese in vitro, os mesmos fármacos poderão ser testados em células humanas para averiguar se, de fato, poderão ser usados como tratamento contra Covid-19 no futuro. Mas os pesquisadores afirmam que ainda é necessário ter os resultados dos testes in vitro para saber se haverá viabilidade de testes em humanos.
“São fármacos promissores, porque temos dados que sugerem que terão uma eficácia, mas precisamos provar experimentalmente, e mesmo assim isso não significa que vai funcionar em humanos. Não há como prescrever nenhum medicamento”, ressalta a pesquisadora.