A Embraer decidiu fazer mudanças no alto escalão para tentar sobreviver aos dois golpes que levou no primeiro semestre: a desistência da Boeing em adquirir a sua divisão de aviões comerciais e a maior crise da história da indústria da aviação, em decorrência da pandemia do novo coronavírus.
As mudanças no topo da hierarquia da empresa começaram em junho, com a substituição de quatro vice-presidentes e um diretor. Entre os engenheiros, o clima é de tensão com a possibilidade de que os cortes comecem a ser feitos em outros níveis.
Antes mesmo da crise com a pandemia, que paralisou o setor aéreo, a empresa já tinha quase metade de seus 5 mil engenheiros parcialmente ociosos, segundo apurou o Estadão. Com grandes projetos concluídos recentemente, como os desenvolvimentos do cargueiro militar C-390 Millenium e da família de aviões comerciais E2, a demanda pelo trabalho dos profissionais despencou.
Já era esperado que, após a conclusão da venda da divisão de aviões comerciais para a Boeing, a Embraer enxugasse o quadro de funcionários.
Quando o atual presidente da companhia, Francisco Gomes Neto, teve seu nome anunciado para o cargo 15 meses atrás, os comentários no mercado apontavam que ele teria como meta tornar a Embraer mais eficiente, reduzindo os gastos. E isso implicaria em demissões.
A tarefa do executivo, porém, se tornou mais árdua com a desistência da compra de parte da empresa pela Boeing e com a crise do coronavírus. Em meio à pandemia, as vendas de aviões vão despencar em 2020 e, segundo especialistas, não vão se recuperar em menos de três anos. No primeiro semestre, a brasileira entregou 31 aeronaves; no mesmo período de 2019, haviam sido 73.
Como se não bastasse, a fabricante de aviões gastou, no ano passado, R$ 485,5 milhões para separar a unidade de negócios que iria para a Boeing. Com o acordo desfeito, a prioridade agora é economizar.
Para isso, a empresa já suspendeu contratos e reduziu jornadas de trabalho e lançou um Programa de Demissão Voluntária (PDV), algo que não foi aceito pelos sindicatos.
Procurada, a Embraer afirmou que, desde o início da pandemia, tem realizado “esforços para preservar os empregos, como concessão de férias coletivas, redução de jornada, suspensão de contratos, licença remunerada e um Programa de Demissão Voluntária”.
Em nota, disse ainda que continuará implantando “medidas para manter os talentos e competências em todo o ciclo produtivo ao mesmo tempo em que buscará sinergias para se adequar à nova realidade do mercado global”.
Simplificação
Antes mesmo de Gomes Neto chegar ao comando, a consultoria McKinsey havia sido contratada, em 2017, para reorganizar a Embraer. O diagnóstico da consultoria apontou a necessidade de simplificar a empresa e eliminar vice-presidências, o que foi parcialmente cumprido à época.
Internamente, os engenheiros eram considerados praticamente intocáveis. A ala mais ligada aos egressos do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), no entanto, vem perdendo espaço na cúpula. A situação do mercado faz também com que seja muito difícil aos engenheiros resistir à reestruturação.
Por causa da pandemia, a Boeing já anunciou que demitirá 16 mil empregados. Na Airbus, o corte será de 15 mil funcionários, ou 10% do quadro. Até agora, a Embraer não divulgou tais medidas.
O presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo, Murilo Pinheiro, afirma que tem acompanhado as discussões de redução de jornada e suspensão de contratos, mas que a entidade optou por não discutir o PDV por considerar a proposta “irrisória”. “Era basicamente uma demissão”, diz Pinheiro. A oferta era um pagamento de 10% do salário por ano trabalhado.
A companhia tem desenvolvido um projeto semelhante ao que a McKinsey havia traçado no passado, simplificando sua estrutura e tentando ganhar eficiência. Departamentos que haviam sido duplicados, dado que um ficaria na Embraer remanescente e outro iria para a Boeing, estão sendo unificados novamente – o que também abre espaço para demissões. A tarefa, porém, é longa.
Esperança
A esperança de alguns desses funcionários é que novos projetos saiam do papel nos próximos meses, ampliando a demanda por seus trabalhos e revertendo a necessidade de demissão. A companhia já comentou a possibilidade de criar um avião comercial turboélice voltado para o mercado regional e, no fim do ano passado, assinou com a Força Aérea Brasileira (FAB) um memorando de entendimento para estudar uma nova aeronave leve de transporte militar.
Ainda que os projetos sejam tocados adiante, o número de engenheiros necessários para desenvolvê-los é pequeno quando comparado ao que foi preciso para criar o C-390 Millenium ou os E2 (a segunda geração da consagrada família de jatos regionais da companhia).