Em 2020, a educação foi atingida profundamente pela pandemia da Covid-19. Com o fechamento das escolas, milhões de crianças e adolescentes brasileiros tiveram as aulas presenciais interrompidas há mais de oito meses, um dos períodos mais longos em comparação com os outros países.
Para entender as consequências dessa crise, a Fundação Lemann encomendou um estudo ao Centro de Aprendizagem em Avaliação e Resultados para o Brasil e a África Lusófona (FGV EESP Clear), vinculado à Fundação Getúlio Vargas (FGV), para simular a perda de aprendizado que os estudantes podem ter sofrido com a pandemia do novo coronavírus.
O resultado mostra que, este ano, os alunos deixaram de aprender mais em matemática em comparação com língua portuguesa e, na maioria dos casos, os mais prejudicados são aqueles do Ensino Fundamental.
A partir de dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), foi possível simular uma perda equivalente ao retorno à proficiência brasileira na avaliação de quatro anos atrás (entre 2015 e 2017) em língua portuguesa e de três em matemática (2017) no Ensino Fundamental Anos Finais, considerando o pior dos cenários.
Numa estimativa intermediária, ambos os componentes curriculares teriam uma queda equivalente ao retorno à proficiência brasileira de três anos atrás. Mesmo em uma situação otimista, a educação também pode ter perdido três anos em língua portuguesa.
O número de horas dedicadas às atividades não presenciais podem fazer a diferença: quando falamos de um cenário intermediário, em que se considera que os alunos aprendem no ensino não presencial proporcionalmente às horas dedicadas a atividades escolares, estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental têm uma perda de 34%, enquanto os estudantes do Ensino Médio, de 33%. Se for considerado um cenário pessimista, em que os alunos não aprenderiam nada com o ensino remoto, ambos os ciclos perdem o equivalente a 72% no aprendizado.
“A simulação mostra a importância da aposta que foi feita no ensino remoto, mesmo com todas as suas limitações. A tecnologia se mostrou uma aliada do processo de ensino e aprendizagem durante a pandemia, e o ensino híbrido continuará fundamental em 2021, inclusive nos processos de superação das defasagens”, afirma Daniel de Bonis, Diretor de Políticas Educacionais na Fundação Lemann.
Para chegar nesses resultados, o estudo da FGV EESP Clear levou em consideração o nível de aprendizado em um ano típico (usando dados do Saeb de 2015 a 2019), o tempo de interrupção das aulas (estimado em 72% do ano letivo) e o eventual aprendizado com o ensino remoto (explorado nos cenários otimista, intermediário e pessimista).
A metodologia foi baseada no estudo do Banco Mundial “Simulating the potential impacts of covid-19 school closures on schooling and learning outcome: a set of global estimates” (“Simulando os potenciais impactos do fechamento das escolas pela Covid-19 na educação e nos resultados de aprendizagem: um conjunto de estimativas globais”, em tradução livre).
“O objetivo do nosso trabalho foi entender e estabelecer algumas conjecturas razoáveis de como a pandemia do Covid-19 poderia afetar o aprendizado dos estudantes brasileiros. Primeiro, ao revisar sistematicamente a literatura internacional, concluímos que a interrupção das aulas leva a uma redução significativa no aprendizado dos alunos. Em segundo lugar, entendemos que, em um cenário de interrupção das aulas presenciais, o aprendizado dos alunos depende do acesso ao ensino remoto e esse acesso é desigual no Brasil como evidenciado pelos dados da Pnad Covid-19. Por fim, analisando dados do Saeb, concluímos que, em 2020, o crescimento do aprendizado dos alunos brasileiros poderá desacelerar ou mesmo retroceder. Esse resultado ocorre de maneira desigual no país, afetando mais fortemente os menos favorecidos. Assim, esforços para mitigar essa perda e garantir o acesso a um ensino remoto de qualidade a todos são urgentes, de modo a evitar a perda de aprendizado e o aumento das desigualdades educacionais”, afirma André Portela, pesquisador líder do estudo e Professor Titular de Políticas Públicas da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EESP).
Desigualdade
Foram realizadas simulações também levando em conta características pessoais dos estudantes: sexo, raça/cor e escolaridade da mãe. A partir desses subgrupos, analisando apenas o cenário intermediário, foi estimado que os meninos aprenderam menos que as meninas, especialmente em matemática nos anos finais do Ensino Fundamental.
Os grupos populacionais mais prejudicados, para os anos finais do Ensino Fundamental (5º ao 9º ano) e Ensino Médio, em ambos os componentes, são os do sexo masculino, pardos, negros e indígenas, com mães que não finalizaram o Ensino Fundamental. Já os menos prejudicados são, na maioria dos casos, do sexo feminino, que se declararam brancas, com mães com pelo menos ensino médio completo.
A desigualdade aparece também nos cálculos feitos para cada um dos estados brasileiros. Em ambas as etapas de ensino, os alunos das regiões Norte e Nordeste deixaram de aprender mais que alunos do Sul e Sudeste.
Avaliação diagnóstica e flexibilização curricular
A desigualdade entre grupos de estudantes, componentes curriculares, ciclos escolares e territórios, apontada na pesquisa, indica um desafio para as redes no planejamento das aulas presenciais. “Mensurar o nível em que se encontra cada aluno, a partir de avaliações diagnósticas, será necessário nesse contexto de incerteza, pois o acesso dos estudantes ao ensino remoto foi bastante desigual”, afirma De Bonis. “Identificar essas defasagens possibilitará uma abordagem flexível de conteúdo, focada no que cada estudante precisa para recuperar o aprendizado perdido”, completa.
Para apoiar as redes de ensino de todo o Brasil nessa etapa, foi lançada a Plataforma de Apoio à Aprendizagem, que fornece ferramentas para aplicação de avaliações diagnósticas. As atividades de verificação de aprendizagem são disponibilizadas gratuitamente para professores e gestores escolares. A partir dessa avaliação, a plataforma auxilia na construção de planos de aula efetivos, ancorados na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e em um conjunto de orientações para que todos os estudantes possam avançar no conteúdo pedagógico. A iniciativa é do Consed e da Undime, por meio da Frente de Avaliação, com apoio do BID, CAEd/UFJF, Fundação Lemann, Fundação Roberto Marinho, Instituto Ayrton Senna, Instituto Reúna e Itaú Social.