Declaração ocorre após pressão feita por correligionários para que ex-governador desistisse de disputar o cargo neste ano
Após pressão feita por correligionários, o ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB) anunciou, nesta segunda-feira, 23, a desistência de sua pré-candidatura à Presidência da República nas eleições deste ano. O paulista afirmou que se retira do pleito com “o coração ferido, mas com a alma leve”.
“Coloquei meu nome à disposição do partido hoje. Entendo, serenamente, que não sou a escolha da cúpula do PSDB. Aceito essa realidade com a cabeça erguida. Sou homem que respeita o bom-senso, diálogo e equilíbrio. Sempre busquei e seguirei buscando o consenso, mesmo que ele seja contrário à minha vontade pessoal”, afirmou Doria.
“O PSDB saberá tomar a melhor decisão no seu posicionamento para as eleições deste ano. Eu me retiro da disputa com o coração ferido, mas com a alma leve. Com a sensação inequívoca do dever cumprido e missão bem realizada. Com boa gestão e sem corrupção”, completou.
O ex-governador fez um discurso ao lado de lideranças tucanas como o presidente nacional do partido, Bruno Araújo — contrário à candidatura do paulista. No final de seu pronunciamento, Doria chorou, foi aplaudido e recebeu apoio da mulher, Bia Doria.
Histórico
PSDB, MDB e Cidadania se articulam para lançar um candidato único da chamada terceira via à Presidência da República neste ano e recentemente decidiram utilizar os resultados de uma pesquisa de opinião para balizar a escolha desse nome.
O levantamento mostrou que a senadora Simone Tebet (MDB-MS) é a opção mais viável ante Doria, que se recusava a desistir da pré-candidatura e chegou a ameaçar o caso com judicialização. Em reunião, os presidentes dos três partidos entraram em consenso pela provável candidatura da emedebista, mas ainda não oficializaram seu nome.
Mais cedo, Doria se reuniu com lideranças tucanas que tinham o objetivo de demover o paulista da ideia de se candidatar à Presidência nas eleições deste ano. Correligionários tentam encontrar um acordo para evitar uma ruptura pública e conturbada do ex-governador.
Em conversas reservadas, tucanos utilizaram a pesquisa encomendada por PSDB, MDB e Cidadania, que aponta Tebet como a melhor opção para representar o candidato da chamada terceira via, para argumentar que Doria deveria se afastar do pleito que se avizinha.
Como o R7 mostrou, não houve uma proposta a Doria. Outro argumento utilizado pelos tucanos é uma pesquisa interna que mostra que 56% dos brasileiros são contra a polarização e não querem votar em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nem em Jair Bolsonaro (PL), o primeiro e o segundo colocado nas pesquisas, respectivamente.
O mesmo levantamento, segundo uma fonte do partido, revela que a terceira via só teria chance com uma candidatura única e que a senadora seria o nome com mais possibilidade de vitória. Tebet já disse inclusive que, se for escolhida, disputará a Presidência da República mesmo sem Doria.
Doria, por sua vez, afirma que não participou dos encontros nem sequer teve acesso à pesquisa, além de não ter sido comunicado. O tucano defendia o argumento de que foi escolhido nas prévias do PSDB, realizadas no ano passado, para concorrer à Presidência.
Leia a íntegra do discurso de Doria
“Boa tarde a todos. Hoje é um dia de respostas, mas também um dia de perguntas. As pessoas sempre me perguntam por que deixei uma vida de conforto à frente das minhas empresas bem-sucedidas para entrar na política.
Sou filho de um político cassado pelo golpe militar de 64. Meu pai, tal como eu, começou a vida pobre, mas lutou, trabalhou e alcançou uma vida confortável, dono de uma das maiores agências de publicidade do Brasil. Até o dia em que decidiu, inspirado por Franco Montoro, lutar por um Brasil melhor.
Nele, era premente e urgente a necessidade de servir ao povo brasileiro, de combater a desigualdade e a injustiça social. João Doria foi eleito deputado federal e, em abril de 64, foi cassado pelo golpe militar. Perdeu seus direitos políticos, todos os seus bens e foi obrigado a viver no exílio.
Inspirado pelos ideais e pela coragem de meu pai, e coincidentemente também motivado por Franco Montoro, colaborei desde cedo com a vida pública. Com Mário Covas fui presidente da Paulistur e secretário de Turismo, em São Paulo. Por conta de uma gestão bem-sucedida, fui convidado a presidir a Embratur, emblematicamente criada por um projeto de lei de autoria de meu pai. Como militante e ativista, organizei, a pedido de Franco Montoro, o histórico comício das Diretas Já, na praça da Sé, em 25 janeiro de 1984, aqui em São Paulo.
Com perseverança, dedicação e trabalho, construí uma carreira sólida na iniciativa privada e coloquei de pé um grupo empresarial de sucesso.
2015 marcava o auge de uma recessão brutal que dizimou milhões de empregos, guilhotinou a renda, levou a inflação às alturas e destruiu sonhos. Nada muito diferente do que enfrentamos hoje. Inconformado, acompanhava as medidas econômicas equivocadas de um governo incompetente e o desvio de dinheiro público.
2016 seguindo os passos de meu pai, decidi disputar uma eleição. Começa aí minha saga no meu partido. No PSDB disputei três prévias: para prefeito, para governador e para presidente. As três únicas prévias na história do partido. Venci as prévias em 2016. E, logo depois, venci as eleições para a prefeitura da maior cidade do país, no primeiro turno. Fato inédito na história política de São Paulo.
Guardo as melhores lembranças da prefeitura. E do meu amigo Bruno Covas. Tenho orgulho de ter zerado a fila de exames nos postos de saúde, com o inédito Corujão da Saúde. Atendemos a população em situação de rua com os Centros de Acolhimento, recuperamos praças, avenidas e ruas. Promovemos a maior inclusão de crianças desassistidas no redimensionamento das creches e escolas municipais. Lançamos os programas de concessão do parque do Ibirapuera, do Pacaembu e do Anhembi, entre outras conquistas importantes para a cidade.
Em 2018, novamente disputei e fui vitorioso nas prévias do PSDB para a eleição a governador do Estado de São Paulo. Mais uma vez, venci as prévias e venci as eleições, sendo eleito governador de São Paulo.
Tenho orgulho de ter feito uma gestão transformadora no estado, reconhecida até mesmo por adversários. Diante do desafio histórico da pandemia, me empenhei pessoalmente para trazer ao Brasil 124 milhões de doses da vacina contra a Covid-19. Procurei fazer o certo. Salvamos vidas e a economia. Na pandemia, São Paulo cresceu cinco vezes mais do que o Brasil, gerando um terço de todos os novos empregos do país. Por todo o território nacional, a vacina foi sinal de esperança, salvando milhões de brasileiros. Vencemos com a ciência os discursos do ódio, das fake news e o negacionismo.
Assim como, na saída da prefeitura, quando deixei o comando da cidade nas mãos do saudoso Bruno Covas, desta vez também deixei o governo de São Paulo em boas mãos. Rodrigo Garcia está levando em frente um trabalho que começou com uma equipe de craques e que certamente lhe renderá a vitória nas eleições deste ano. Rodrigo será, com muita justiça, reeleito governador de São Paulo.
Em dezembro do ano passado, mais uma vez disputei as prévias do partido para ser candidato a presidente da República. E, mais uma vez, as venci.
Fica aqui minha gratidão aos brasileiros da cidade de São Paulo que me deram mais de 3 milhões de votos na prefeitura, aos quase 11 milhões de votos ao governo de São Paulo. E aos mais de 17 mil militantes do PSDB que me escolheram como candidato a presidente do Brasil.
Agradeço também aos mais de 6 milhões de brasileiros que, nas pesquisas de opinião pública, já manifestaram a intenção de votar no meu nome para presidente, antes mesmo do começo da campanha eleitoral.
O Brasil precisa de uma alternativa para oferecer aos eleitores que não querem os extremos. Que não querem aquele que foi envolvido em escândalos de corrupção. E nem aquele que não deu conta de salvar vidas, não deu conta de salvar a economia e que envergonha nosso país em todo o mundo.
Para esta missão, coloquei meu nome à disposição do partido. Hoje, neste 23 de maio, serenamente, entendo que não sou a escolha da cúpula do PSDB. Aceito esta realidade com a cabeça erguida. Sou um homem que respeita o bom-senso, o diálogo e o equilíbrio. Sempre busquei e seguirei buscando o consenso, mesmo que ele seja contrário à minha vontade pessoal. O PSDB saberá tomar a melhor decisão no seu posicionamento para as eleições deste ano.
Me retiro da disputa com o coração ferido, mas com a alma leve. Com a sensação inequívoca do dever cumprido e missão bem realizada. Com boa gestão e sem corrupção. Saio com o sentimento de gratidão e a certeza de que tudo o que fiz foi em benefício de um ideal coletivo, em favor dos paulistanos, dos paulistas e dos brasileiros. Saio como entrei na política: repleto de ideais, com a alma cheia de esperança e o coração pulsante, confiante na força do povo brasileiro, que tem fé na vida e em Deus.
Peço desculpas pelos meus erros. Se me excedi, foi por vontade de acertar. Se exagerei, foi pela pressa em fazer com perfeição. Se acelerei, foi pela urgência que as ações públicas exigem. Os acertos foram fruto do trabalho em equipe, da ousadia e da coragem, do propósito que sempre persegui. De sempre fazer bem-feito o que tem que ser feito. Respeito e Trabalho. Fazer do possível o impossível. Esse é meu mantra. Levo por onde eu for.
Agradeço a minha equipe aguerrida, aos membros do partido que sempre me defenderam, aos que lutaram ao meu lado, aos que foram leais e que defenderam a democracia interna do partido. E defendem, como eu, a liberdade e a igualdade no Brasil.
Agradeço aos colaboradores que estiveram comigo na prefeitura e no Governo do Estado, que se empenharam para os resultados históricos que alcançamos. Agradeço aos militantes do PSDB, extraordinários guerreiros que nunca me abandonaram. Agradeço a Deus pela disposição que sempre me deu, pela capacidade de trabalho, senso de justiça e paz no coração. Agradeço igualmente à minha família, à Bia, aos meus queridos filhos, Johnny, Felipe e Carol, ao meu querido irmão Raul e sua linda família. Agradeço também a todos os verdadeiros amigos que sempre me apoiaram em todas as minhas decisões.
Por fim, relembro aqui o belo poema atribuído a Cora Coralina: “Tem mais chão nos meus olhos do que o cansaço das minhas pernas, mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros. Mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça”.
Seguirei como observador sereno do meu País. Sempre à disposição de lutar a guerra para a qual eu for chamado. Na vida pública ou na vida privada. Que Deus proteja o Brasil. Muito obrigado e até breve.”