Como as incoerências apresentadas pelo Brasil durante a COP 28 afastaram o país da imagem de liderança climática que tentava passar e o aproximou dos defensores do petróleo
Após duas semanas de evento, a edição deste ano da conferência do clima da ONU, a COP 28, entra hoje em seu processo de negociações finais, e o mundo inteiro acompanha atentamente, enquanto líderes globais se encontram por trás de portas fechadas para debates que irão definir o futuro do planeta.
Diferentemente de edições anteriores, este ano não houve como evitar o maior vilão da crise climática: os combustíveis fósseis. Desde que os Emirados Árabes Unidos foram escolhidos para sediar o evento, o tema tem ganhado destaque. A nomeação de Sultan Al Jaber, CEO da maior petroleira do país, a Abu Dhabi National Oil Company, e os escândalos que se sucederam – da negação da ciência climática à presença recorde de mais de 2.400 lobistas do petróleo e à carta da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) incitando seus membros a rejeitarem metas de combustíveis fósseis – não ajudaram as partes a se esquivar do assunto.
Em meio a tudo isso, a imagem do Brasil que veio se desenhando ao longo das duas semanas do evento não foi aquela de paladino do 1,5ºC (meta que o Acordo de Paris estabeleceu como limite aceitável para o aquecimento do planeta), ou de liderança climática, como se esperava desde a visita do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva à COP 27, em Sharm El-Sheik (Egito), em 2022.
“Infelizmente, os esforços do Brasil na redução do desmatamento na Amazônia foram sobrepostos nessa COP pelos esforços que o país tem feito para se tornar o quarto maior exportador de petróleo do mundo”, diz Nicole Oliveira, diretora executiva do Instituto Internacional Arayara.
O país bem que tentou sair bem na fita. Além de ter trazido a maior delegação da história brasileira nas COPs, esta foi a primeira vez que uma mulher indígena, a ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara, esteve à frente das negociações do Brasil. Também em um momento simbólico, o presidente Lula passou à Ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, o direito de discursar em evento sobre a proteção das florestas, no dia 02 de dezembro.
Mas isso não foi o suficiente para desviar as atenções do anúncio feito pelo Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, logo no primeiro dia da COP 28, de que o país estaria negociando sua entrada na OPEP+, um grupo expandido que agrega os 13 membros da OPEP e mais dez países. O anúncio levou o Brasil a receber o anti-prêmio de “Fóssil do Dia”, reconhecimento dado pela Climate Action Network International a países que não estão fazendo o suficiente para combater a crise climática.
“O Brasil tem concentrado seus esforços principalmente no combate ao desmatamento na Amazônia e já vinha fazendo a lição de casa a médio prazo no setor de energias renováveis, então estava em uma posição bastante confortável”, diz Ricardo Baitelo, coordenador de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). “O país não costumava precisar enfrentar pressões em relação a sua descarbonização, mas isso começou a mudar na COP 26, em Glasgow”, explica.
De fato, tudo indica que o Brasil não estava preparado para lidar com tantas críticas.
Ainda em novembro, durante encontro com a imprensa sobre a COP 28, a Secretária de Mudança do Clima, Ana Toni, disse não acreditar que o país seria cobrado em relação à expansão da produção do petróleo. Quando o tiro saiu pela culatra, o presidente tentou contornar a situação. Em encontro com a sociedade civil no dia seguinte ao anúncio da entrada na OPEP+, Lula disse que “entramos nesse clube para ajudar a convencer os maiores produtores do petróleo de que eles precisam usar seus lucros para fazer uma transição justa para energia renovável”. Mas esse discurso não colou.
Para Oliveira, o leilão de 603 blocos de petróleo marcado para o dia 13 de dezembro, um dia depois do final oficial da COP 28, deixa claro que essa justificativa é uma falácia. “No total, mais de 2% de todo o território nacional está sendo leiloado, e mais de 90% dos blocos descumprem de alguma forma as diretrizes da própria Agência Nacional do Petróleo (ANP)”, diz Oliveira.
Dentre os descumprimentos está a sobreposição dos blocos a diversas unidades de conservação. Segundo estudo conduzido pelo Instituto Arayara, dos 22 blocos na bacia sedimentar do Amazonas 13% estão sobrepostos e dos 78 blocos na bacia sedimentar de Sergipe-Alagoas 24% estão sobrepostos. Além disso, foram identificadas 23 terras indígenas que estão localizadas na Área de Influência Direta de 15 blocos, e 5 territórios quilombolas que estão sendo sobrepostos em seus limites por 12 blocos exploratórios.
“As pessoas nesses territórios não apenas não foram consultadas, como não estavam nem sabendo da existência dessa situação. Fomos nós, em parceria com a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), que levamos essas informações às comunidades”, conta Nicole Oliveira, do Arayara. “Isso é mais que uma questão de ferir diretrizes ambientais: são ilegalidades.”
Além disso, segundo estimativas do instituto Arayara, as emissões totais potenciais dos blocos a ser leiloados são superiores a uma gigatonelada de carbono. O volume coloca as emissões potenciais apenas desse ciclo no mesmo nível das emissões anuais do Brasil previstas para 2030, segunda a última atualização da nossa Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC na sigla em inglês).
“A rigor, esse leilão não impactaria o cumprimento da NDC do Brasil por uma questão de contabilidade, já que esse petróleo seria explorado para exportação e as emissões oriundas da sua queima não seriam incluídas no cálculo final das emissões brasileiras”, explica David Tsai, coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima. “Mas nós sabemos que o dano ambiental global é o mesmo, independente de onde essa emissão for contabilizada”, acrescenta.
Tsai explica que, para o Brasil, é complicado assumir uma posição de simplesmente abrir mão da exploração de petróleo, porque ela é frequentemente acompanhada por uma narrativa de geração de recursos, seja para promover a transição energética, seja para endereçar outras questões, como saúde e educação. “Sem que haja um compromisso global, é difícil que o país assuma sozinho esse compromisso doméstico. Por isso é necessário que a conferência do clima avance, de fato, para um compromisso global de eliminação dos combustíveis fósseis”, diz.
Mas, para Baitelo, do IEMA, embora o Ministério de Energia e a Petrobras vejam no petróleo a representação do crescimento da economia (PIB), a realidade é que, historicamente, existem no mundo muito mais exemplos de estados viciados nos recursos do petróleo do que daqueles que realmente conseguiram transformá-los em melhorias sociais. Além disso, ele destaca como é incerto o momento em que o petróleo vai alcançar seu pico e terá um subsequente declínio – e quais serão os impactos para a nossa economia.
“O Brasil está sendo muito otimista ao construir as suas infraestruturas de petróleo, que vão muito além do que vai ser necessário. O que a Petrobras está fazendo é uma aposta ao investir tudo agora. Mas o quanto disso realmente vai dar retorno é uma incógnita”, diz Baitelo.
Com isso, Baitelo acredita que seja pouco provável que o país apoie a eliminação gradual dos combustíveis fósseis no texto final da COP 28. “A posição do Brasil foi exposta durante o evento, com a declaração de Silveira e com a indicação para o ‘Fóssil do Dia’, o que parece ter tido um efeito positivo no sentido de fazer pressão para um posicionamento mais coerente. Ao mesmo tempo, o que isso vai significar na prática nas negociações ainda está em aberto. O texto final da COP ainda está sendo discutido, e eu não acho que o Brasil assine algo que fale sobre eliminação, mas sim algo que seja mais intermediário, como a redução gradual dos combustíveis fósseis”, explica. (Fonte Um só planeta)
_____
Jaqueline Brito Tupinambá Frigi