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quinta-feira 14 novembro 2024
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Direito Animal em foco – Cunha

Há um ano, resgatamos com a Polícia Ambiental, mais de 300 bois em situação de maus-tratos em uma fazenda na cidade de Cunha, no interior de São Paulo. Na época, os animais foram encontrados sem comida, sem água, sem alojamento e com grande parte dos animais desnutridos e debilitados, com ossos aparentes e sem conseguir se levantar. Cenário de guerra.

Doze meses depois, os bovinos se encontram numa situação muito diferente. Com ajuda de voluntários, doações e sob os cuidados de um santuário de animais, mais de 200 bois já estão saudáveis, mas as marcas dos maus-tratos seguem visíveis em dezenas de bois e vacas.

A Ong responsável informou que 19 bois não resistiram às sequelas que a privação de alimento e água trouxeram e, mesmo após um ano de tratamento, outros 80 bois ainda estão em uma ala hospitalar, tentando sair do quadro de desnutrição e doenças que foram acometidos.

Todos que morreram perderam as papilas do rúmen, que é uma parte do estômago do boi, responsável por absorver os nutrientes da alimentação e distribuir para o corpo.

As memórias do resgate são para mim muito dolorosas, pois recordam uma situação de extremo maus-tratos. Era uma situação de abandono, algo desumano. Colocaram eles ali para morrer. Uma equipe do Fantástico acompanhou nosso trabalho. Outros 06 animais feridos foram para Instituto Luisa Mell que nos amparou no resgate, 02 morreram.

Esses animais comem hoje 5 toneladas de ração por dia, é um custo muito alto. Fora suplementos, vacinas, remédios, exames veterinários.

A Justiça condenou o empresário indiciado pelos maus-tratos e que era responsável pelos animais a pagar um valor para o Santuário e custear os gastos para cuidados dos animais, mas até o momento nenhum pagamento foi feito.

A expectativa é que o responsável de alguma maneira pague, no bolso ou na vida. O que a gente quer é que ele não faça mais isso, que sirva de lição para ele e todo mundo que age dessa maneira com os animais para que isso não volte a acontecer. A divulgação desses casos com alguma penalidade também ajuda que as pessoas se conscientizem.

Os animais sentem dor, frio, medo, alegria, tristeza, choram, igual a todo mundo! É importante essa conscientização.
O caso foi apresentado à Justiça um ano atrás por ação civil pública ajuizada pelo Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) para apurar responsabilidades do abandono dos 300 bois mantidos em situação crítica em uma área rural de Cunha, com vários animais mortos por inanição. O processo se encontra em andamento e, atualmente, em fase de perícia judicial. O juiz de Cunha nomeou perito para examinar os animais que foram resgatados ainda vivos na propriedade, sendo que após essa perícia o processo terá prosseguimento. Foi definido judicialmente que o Santuário Vale da Rainha é o responsável pelos cuidados dos animais, que se encontram em uma área rural arrendada pela entidade de proteção animal que figura como depositária judicial.

O empresário que responde à ação cível permanece impedido de receber novos bois em sua propriedade, tendo também sido determinado pela justiça que ele e sua empresa arquem com o pagamento de gastos para manutenção e tratamento dos animais.

A Secretaria de Segurança Pública (SSP), continua investigando por meio de inquérito policial pela Delegacia de Cunha. A autoridade policial solicitou exames periciais ao Instituto de Criminalística e ao IML, e os resultados serão analisados assim que forem finalizados. Foram determinadas oitivas dos envolvidos por meio de cartas precatórias, já que são pessoas que moram em outras cidades, as diligências prosseguem.

Relembre o caso

A Polícia Ambiental flagrou 302 animais, entre vacas e bois, em situação extrema de maus-tratos no dia 2 de fevereiro de 2022 em uma fazenda no bairro Santa Cruz, em Cunha (SP).

Os policiais chegaram até o local após uma denúncia anônima. Os animais estavam sem comida, sem água, sem alojamento e muitos deles estavam desnutridos e caídos. O dono da fazenda foi multado em R$ 906 mil pela Polícia Ambiental. Ele também foi indiciado por crime ambiental.

Em dois dias, levamos todos os bezerros resgatados à um hospital de campanha montado no recinto de exposições de Cunha, em um espaço cedido pela prefeitura. Os animais foram alimentados e depois encaminhados ao Santuário e ao Instituto Luisa Mell.

Na época, a Polícia Civil estava investigando se os bezerros eram utilizados para aplicar golpes financeiros, por meio de esquemas de pirâmide.

Nosso resgate foi apresentado em uma reportagem do Fantástico, que mostrou que os proprietários usavam os animais para fazer ofertas de investimento em gado nas redes sociais.

O dono do negócio usava as redes sociais para ofertar investimentos nos animais. Segundo os anúncios na internet e em vídeos, ele informava que os interessados poderiam comprar o gado por R$ 2 mil e depois de um ano, ele receberia R$ 2,5 mil pelo negócio.

A promessa de lucro é de 25% ao ano para os investidores, com animais bem tratados. No anúncio, o empresário responsável pelo negócio ainda afirma que a carne dos animais seria de qualidade e vendida nas lojas da própria rede.

De acordo com a investigação, como nenhum bezerro da fazenda tem condições sanitárias para ser negociado, o negócio apresenta características de pirâmide financeira. O caso ainda é investigado e segue na Justiça de Cunha, processo em que participamos como assistente do MP através do Santuário de Shanti.

Por Jaqueline Brito Tupinambá Frigi