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quarta-feira 22 janeiro 2025
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Deveres e Direitos

• Rogério Miguez
Em razão do apego aos rebentos da própria carne, institui a propriedade da faixa de solo em que se lhe encrava a moradia e, atendendo a essa mesma raiz de afetividade, traça a si próprio determinadas regras de conduta [deveres], para que não imponha aos semelhantes ofensas e prejuízos que não deseja receber. […] Nasce, desse modo, para ele a noção do direito sobre o alicerce das obrigações respeitadas1
Pode-se concluir, desta passagem de André Luiz, ter a noção de dever surgido primeiro do que a do direito, pois, quem fala em regras de conduta e obrigações, fala em deveres.
Entretanto, sempre houve uma preocupação exacerbada com os nossos direitos, por acreditarmos na especificação detalhada dos mesmos como solução para encontrar a harmonia, materializando plenamente a justiça dentro do organismo social. Há mesmo uma expressão muito usada em nossas plagas quando o trabalhador se sente prejudicado nas relações de trabalho com o seu patrão: Vou procurar os meus direitos, ameaça! Expressão esta amiúde também empregada em diversas situações: nas interações com a prestação de serviços, compras mal resolvidas, e tantas outras.
Nestas horas, no entanto, raramente nos perguntamos, quando desejamos avidamente procurar os nossos muitos e bem delineados direitos, se fomos cumpridores de nossos humildes e esquecidos deveres? Cumprimos com tudo que de nós era esperado, ou será que não observamos obrigações, desrespeitando os direitos alheios, como consequência, descuidando deste modo do outro lado da moeda?
Aliás, falando em moeda, quando o próprio Mestre recomendou a sábia máxima aos maliciosos inquiridores fariseus: “a César o que é de César”, ensinou categoricamente vir em primeiro lugar o dever de dar ao Imperador o que lhe era de direito.
Os romanos tiveram a iniciativa de estabelecer muitos direitos para a sua sociedade, todavia, não se tem notícia, desde aquela época, de uma organização de estudos voltada apenas para a compreensão do dever. Teremos algum dia também o curso de Deveres? buscando igualmente especificar detalhadamente as nossas obrigações, nos conscientizando da necessidade imperiosa de antes de buscar com sofreguidão os nossos direitos, observarmos primeiro se os nossos deveres foram cumpridos?
Jesus já nos apontou a importância do dever cumprido quando nos propôs a Parábola do Bom Samaritano, perfeito cumpridor do próprio dever, ou por outra, superando em muito o esperado, pois não só auxiliou um desconhecido, quanto por ele se responsabilizou após o haver instalado em hospedaria próxima na estrada.
Enquanto não nos conscientizarmos de que a vida em sociedade requer a rigorosa observação do cumprimento de nossos deveres, antes de nos aventurarmos a procurar os nossos tão bem delineados direitos, prepararemos muitos Estatutos, formalizaremos inúmeras leis, objetivando defender o direito daqueles que por sua posição mais frágil precisam ser defendidos, contudo, nos frustraremos ainda por longo tempo verificando desiludidos que mesmo estabelecidos os direitos alheios em todas as suas particularidades e minúcias, estes ainda por muito tempo deixarão de ser respeitados.
As leis ainda se destinam àqueles destituídos de justo sentimento e entendimento, não contemplando ser muito mais importante cumprir simplesmente os nossos deveres, ao invés de redigir, criar e lembrar infinitos direitos, porquanto, a noção de Direito não modifica a essência humana, a conscientização do Dever sim.
Este tempo chegará à medida de nosso esforço para viver a “Lei do Cristo” e não a “lei de Gérson”: “Amar o próximo como a si mesmo: fazer pelos outros o que quereríamos que os outros fizessem por nós”, sendo esta a expressão mais completa da caridade, porque resume todos os deveres do homem para com o próximo.
Nesta hora então a máxima: Dever cumprido, direito esquecido vigerá conosco eternamente.
1 XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. Evolução em dois Mundos. Pelo Espírito André Luiz. 1. ed. RJ: FEB, 1959. cap. XI, p.80.