A evolução tecnológica produziu, entre outras coisas, o advento das redes sociais, as quais impactaram a forma como as pessoas se relacionam, inclusive politicamente. Tal panorama levanta questões relevantes quanto à compreensão atual da democracia e a forma de representação popular.
As últimas eleições foram marcadas pela comunicação direta dos candidatos com a população por meio da internet, sobretudo com o uso de Facebook e Whatsapp. A importância de tais instrumentos ficou mais clara durante os mandatos, com a sua utilização exaustiva pela equipe do presidente da República, Jair Bolsonaro, bem como pelo senador Jorge Kajuru, que votou na eleição para a presidência da casa da qual faz parte com base na declaração de vontade da sociedade por meio virtual.
Situações como essas permitem a reflexão acerca das novas formas de manifestação do povo. No caso de Bolsonaro, a comunicação direta com a população, sem a mediação da imprensa, pode parecer, em um primeiro momento, algo positivo, pois evitaria eventual distorção da mensagem que o mandatário busca passar para a comunidade, segundo visão negativa propalada em parte da sociedade a respeito de alguns componentes da imprensa. Tal situação, porém, além de demonstrar certa incompreensão quanto ao papel cumprido pelos jornalistas no âmbito democrático, potencializa a polarização política, reforçando a visão dicotômica presente no país desde o governo Lula, que recorrentemente dividia o país em discursos com base nos termos “nós” e “eles”. Ademais, a falta de mediação pode fazer com que a mensagem seja absorvida pelos seguidores (e refutada pelos adversários) sem maior reflexão, dada à animosidade criada a partir do viés, positivo ou negativo, com que a informação é recebida, respectivamente, pelos seguidores e detratores do presidente.
No caso de Kajuru, reflexões sérias são também colocadas, sobretudo sob o prisma da função do político eleito em uma democracia representativa. Definir o voto para a eleição da presidência do senado (bem como para outra finalidade) baseado em enquete feita em rede social diminui a responsabilidade do representante, ainda que seja com o objetivo teoricamente nobre de dar voz à população. Há riscos evidentes à autenticidade da vontade social nessa tentativa de concretização de democracia direta, dada a possibilidade de falseamento de tal manifestação volitiva. Além de questões técnicas relacionadas ao meio utilizado, cabe ressaltar que não é toda a população que tem acesso a tais votações, seja por motivos de informação ou de outra natureza. A realização de movimentos específicos em favor ou contra determinado tópico é apta a potencializar a vontade de minoria populacional tão somente pelo fato de ter mais informação ou maior grau de mobilização, desvirtuando os fundamentos democráticos. Por si só, a democracia direta não apresenta maior qualidade na aferição dos interesses dos cidadãos, como bem demonstram alguns conselhos populares criados em países nos quais as instituições democráticas foram solapadas, como é o caso venezuelano. É para evitar ou diminuir tais problemas que existe a eleição de representantes em sociedades modernas, marcadas por certo grau de complexidade.
Governar é termo que deriva do latim gubernum, que significa timão, palavra que designa o objeto utilizado para dirigir uma embarcação. A etimologia do vocábulo, portanto, evidencia a postura e a responsabilidade do representante eleito em um ambiente democrático. Por melhores que sejam as intenções, cabe ao político convencer a população, por meio da imprensa, das medidas requeridas para o bem da sociedade a longo prazo, mesmo que amargas em um primeiro momento, ousando e assumindo riscos. Falar preferencialmente com adeptos da própria visão de mundo e terceirizar decisões são posturas que não contribuem para o aperfeiçoamento democrático, podendo fazer com que, para permanecer com uma imagem do âmbito náutico, os passageiros do navio, devido à má condução do leme, sejam levados a um lugar indevido, em que não faltam águas revoltas.
Elton Duarte Batalha é professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, advogado e doutor em Direito pela USP.
Democracia, redes sociais e representação
abr 04, 2019Bruno FonsecaTribuna LivreComentários desativados em Democracia, redes sociais e representaçãoLike