Escrevo sobre o tudo e o nada, tanto faz, sei lá. Isso é legal na arte de escrever, o grande “barato” (olha a velha guarda aí) de ser escritor. Podemos ser tudo, ou nada, podemos ser o verdadeiro ou o falso, o cheio ou o vazio, o molhado ou o seco, o real ou o imaginário. E daí? Sou escritor e, nas minhas histórias, nos meus escritos, na minha insanidade, posso ser o que quiser, como quiser, quando, onde e como quiser. Posso ser o Rei ou o plebeu, posso ser o rico ou o pobre, o intelectual ou o simplório. O espião, o agente secreto ou o terrorista. Posso ser policial, bandido, mocinho ou o vilão. Posso habitar mares profundos, viver no deserto ou voar na imensidão do céu. Posso ser astronauta, um viajante do tempo ou do espaço ou, ainda, um monstro de Zybellium. Sim, eu posso rir do frio intenso ou desdenhar do calor escaldante. Posso caminhar por ruas desertas, escuras e silenciosas na madrugada fria, ouvindo cães latirem intrigados, quebrando o silêncio da noite. Observo casas escuras onde todos dormem.
E, em minhas insanas e fantasiosas caminhadas, um carro passa ao longe, para onde estará indo? Ou estará voltando? Ou o motorista anda à esmo, à procura de si mesmo?
Um gato misterioso atravessa a rua, à procura de um amor ou apenas caçando seu alimento? Ao ver o felino, ratos correm de volta para a imundície dos esgotos, ninguém vê, ninguém percebe e a noite segue. Seríamos nós indiferentes ao que sabemos, porém não vemos?
Ao longe, um homem caminha vagarosamente pela calçada, de olho nas casas, estaria com insônia ou apenas um admirador das coisas alheias? Olhar furtivo, observando, avaliando, desejando o que não lhe pertence. Um morcego com um sorriso vampiresco, dá um voo rasteiro e some na noite misteriosa. Sou escritor e posso ser e fazer o que quiser, então, me transformo, quero voar também, bato minhas enormes asas e voo para a escuridão. Lá de cima, visão noturna e privilegiada, observo tudo, vejo tudo. Uma moto passa em alta velocidade, está se divertindo ou é um trabalho de entrega? Quem vai comer às quatro da manhã? Mais à frente, um carro para em frente ao portão e um homem desce. Estava procurando um amor ou afogando, em copos gelados de cerveja, as magoas de outro amor? Ou estaria trabalhando? Bato com força as asas e subo, voo por um tempo e desço próximo ao telhado de uma casa, de onde vem sons prazerosos de amor na madrugada. Sorrio e me afasto em velocidade. Lá de cima, vejo algo engraçado e paro, como se estivesse flutuando. Um bêbado, tentando atravessar uma rua, brigando com as próprias pernas e com a lei da gravidade. Me aproximo e ele me vê. Cai sentado e promete pra si mesmo nunca mais beber, acabou de ver um escritor voando.
Mas, é apenas mais uma promessa vã, sigo em frente, deixando o bêbado jurando pra si mesmo que viu algo muito estranho no céu. Pena, que ninguém vai acreditar nele. Perto de uma praça, um morador de rua caminha lentamente olhando para o chão e arrastando um cobertor. Olho para o homem, porque está naquela condição? Por quais, agruras e dissabores, passou na vida, para estar naquela situação? Existem motivos reais para estar ali ou é apenas um fraco que desistiu de lutar? E quem sou eu para julgar? Apenas um escritor, posso fazer e ser o que quiser, mas não posso julgar.
Continuo batendo asas e ouço novos sons vindos de outra casa, mas agora, são sons diferentes, desagradáveis, há um casal em uma discussão dura, palavras cruéis e desnecessárias que destroem o que o amor talvez tenha construído.
Com uma careta me afasto rapidamente, os sons da outra casa são bem melhores.
Escuto um forte ruído que vem de cima, olho curioso um grande avião que atravessa o céu escuro e imagino as pessoas lá dentro, algumas estão indo, outras voltando, absortas em seus pensamentos, felizes, aliviadas, tensas, decepcionadas, sei lá. Cada uma com suas alegrias, tristezas, decepções, problemas e etc…
Recolho minhas asas, piso no chão firme e fico invisível, talvez seja melhor assim.
Sou escritor, posso qualquer coisa… até, em minha loucura, ser eu mesmo.