E vamos de conto??? Mas, não é terror, tá? Na verdade, uma dura realidade…
Ah, mas aquelas ruas incomodavam, para ir ao armazém, fazer as compras que a mãe pedia, ela passava por três ruas de paralelepípedos ou “pedras”, como diziam os moradores da pequena e pacata cidade. A rua da sua casa, e mais duas, que sacudiam a bicicleta. Tinha até vontade de seguir empurrando pela calçada, só empurrando, porque seu avô sempre dissera que não devia andar pela calçada, montada na bicicleta, poderia atropelar alguém, mas sentia uma enorme preguiça só de pensar nisso, então, ia pedalando e sacolejando. Bom, depois de passar pelo horror das três ruas, chegou ao armazém e, conferindo a lista, começou as compras, mas no penúltimo item, viu um grande problema, a mãe queria uma dúzia de ovos, mas como levar isso pelas ruas da tortura? Sem chance, quando chegasse em casa os ovos estariam prontos para a omelete. — Afff. Vou ter que voltar empurrando a bicicleta.
Fez uma careta e lá foi a menina pegar os ovos. Voltou para casa empurrando a bicicleta, com os saquinhos plásticos pendurados no guidão, um deles com uma dúzia de ovos, muito irritada e sonhando com o dia que o progresso chegasse à cidade. Certa vez, ouvira falar de um tal de asfalto, lisinho, sem buraco, onde poderia pedalar sua bicicleta tranquilamente.
— Bom, vamos esperar, quem sabe, logo a maravilha do asfalto chega aqui.
Os anos passaram e a menina seguia pelas ruas, pedalando, se sacudindo, praguejando e reclamando com a falta de progresso. E, já perto dos dezoito anos, lá foi ela, entregar currículos. E logo conseguiu seu trabalho, vendedora em uma loja de roupas e sendo simpática, sorridente, boa vendedora, logo conseguiu bom salário e boas comissões.
Mas, as ruas ainda eram de paralelepípedos. Cadê o danado do progresso?
A vida seguiu e, um belo dia, a grande notícia. Algumas ruas da cidade seriam, finalmente, asfaltadas. Chega de sacolejar, fim daquelas pedras, asfalto lisinho e fim da tortura. Esperava que, pelo menos, a rua da casa e do serviço, seriam asfaltadas. Entre a população, apostas já aconteciam: — A rua do hospital vai ser asfaltada. E a dos bancos também. A rua da prefeitura vai ser a primeira, lógico. Não, acho que a primeira vai ser da Câmara dos Vereadores.
Mais dias passaram, então, o dia chegou e a rua da casa dela seria asfaltada, mas a do serviço não, que pena. Bom, pelo menos estaria livre dos sacolejos na rua de casa.
Os trabalhadores vieram, as máquinas também e arrancaram paralelepípedos daqui, dali, da rua inteira, obras em diversas ruas da cidade, confusão, ruas interditadas, desvios, caos.
Mas, tudo bem, é o progresso chegando. Que beleza o progresso. E, agora, asfalto lisinho.
E chegou a temporada das chuvas que vieram fortes. Nas ruas com paralelepípedos, as águas se infiltravam no solo por entre as “pedras” e nada acontecia, mas nas ruas asfaltadas…
Sem ter como infiltrar no solo, as águas invadiram as casas e todos se desesperaram, nunca haviam visto aquilo. O estrago e prejuízo foram grandes. E depois que as águas foram embora, o asfalto, antes liso, agora, completamente esburacado. E quando vão consertar isso??? KKKK
Dias depois, ela pedalava pela rua de sua casa, desviando dos inúmeros buracos, e entrou na rua intermediária, e começou o sacolejo, mas não reclamou, sorria feliz sentindo a bicicleta trepidar. Já conhecia o preço do progresso. Entrou na rua do serviço, arregalou os olhos e escancarou a boca, não podia acreditar no que via e balançava a cabeça de um lado para outro. Olhava incrédula os homens arrancando os paralelepípedos.
Mas, o chefe dos operários a viu olhando a retirada das “pedras”, sorriu, se aproximou e disse.
— Calma moça, só vamos virar os paralelepípedos, esse lado já está muito gasto.
Ela sorriu, agradeceu e seguiu, sacolejando, aliviada e feliz, para o serviço.