Na minha infância, perto da casa do meu pai, havia uma espécie de charco bem grande ou, sei lá, talvez um lago, não sei muito bem como se definia aquilo. Não dava para nadar porque era relativamente raso, talvez, algo perto de meio metro de profundidade ou um pouco mais, e também porque no lago (ou charco) havia muito mato, agrião, algas, enfim, e as águas eram muito escuras. Talvez nada tivesse a ver com o mato, talvez fossem escuras porque o fundo era lama e conforme pisávamos, subia a sujeira que tornava a água tão escura.
Bom, de qualquer maneira, a água era escura e pronto. Na verdade, o motivo porque era assim, pouco importava e nem o fato de ser assim nos preocupava, entrávamos lá de qualquer maneira com a finalidade de caçar rãs que, aliás, é um petisco muito gostoso, para aqueles que, como eu, gostam é claro.
E detalhe, entrávamos a noite (as vezes durante o dia), que é o melhor horário para caçar rãs, descalços (haja coragem para pisar naquela água escura sem saber o que estava embaixo) e caçávamos as danadas com as mãos (mais coragem ainda), dá para acreditar?
Era só procurar, com cuidado, no meio do mato que emergia da água, a tradicional espuma das rãs e…e…enfiar a mão ali e seja o que Deus quiser. É mole? A probabilidade de pegar uma rã era grande, boa parte das vezes saíamos com uma na mão. Havia muitas delas, uma fartura e tanto. E quando chovia, então? Sei lá de onde apareciam os bichos, só sei que o charco se enchia delas, para nossa alegria. Almoço do dia seguinte garantido.
Algumas vezes nada saía. Enfiávamos a mão com coragem, mesmo sabendo que poderia sair com uma bela cobra. É óbvio, onde tem rã, provavelmente tem cobra, que adora essa iguaria.
Mas nem nos meus piores pesadelos hoje teria coragem de enfiar a mão em uma água escura, sabendo que ali pode ter uma cobra. Nem coragem para entrar no charco teria.
E olha que uma vez aconteceu. Não presenciei, mas ouvi várias vezes essa história.
Um querido irmão (que hoje cuida da gente lá de cima) e um amigo dele, ouviram, ao mesmo tempo, algo afundar na água e gritaram.
— Afundou…aqui! — Afundooooou!
E lá vai os dois corajosos enfiar a mão na água escura em busca da desejada rã e, novamente, gritaram ao mesmo tempo, cheios de orgulho e felicidade.
— Peguei! — Peguei!
E levantaram as mãos da água e, ambos, tomaram o maior susto ao se deparar com uma cobra de dois metros (na primeira vez que me contaram a cobra tinha pouco mais de meio metro, vai saber, né?), gritaram e, desesperados, jogaram o bicho na água e saíram correndo.
É claro que, um deles pegou no rabo da cobra e o outro na cabeça, mas nunca fiquei sabendo quem pegou qual parte, só sei que naquela noite, ninguém mais quis caçar rã.
E, mesmo na manhã seguinte, ninguém queria entrar no charco, afinal, uma coisa é você desconfiar que é possível ter cobra ali, outra coisa, muito diferente, é você ter certeza que tem uma cobra ali.
Alguns anos mais tarde, creio que eu tinha em torno dos meus dezenove, vinte anos, fazia faculdade e morava em república na cidade de Lorena e ia, com amigos, caçar rã em um pequeno charco na periferia da cidade. Porém, já sem tanta coragem, ia com botas, levava lanternas e fisga. Nem pensar em enfiar a mão dentro da água.
Mas, o antigo charco perto da minha casa acabou. Não sei o que fizeram, só sei que passaram asfalto. O charco da cidade de Lorena eu não sei, nunca mais fui lá.
De qualquer maneira, em Taubaté, havia muitos locais onde se conseguia caçar rãs. Hoje não sei de mais nenhum, é uma pena. Parece que acabou tudo.
Só queria saber para onde foram as rãs, mas só para saber, porque eu é que não entro mais em uma água escura, tô fora. Rã agora, só se descobrir onde vende.