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quarta-feira 25 dezembro 2024
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“Crônicas e Contos do Escritor” – Oh, tristeza

Seguia com o carro pelas ruas de um bairro afastado de Taubaté quando vi uma cena cada vez mais rara, crianças jogando bola em um campinho de terra. Não havia celulares, notebooks, vídeo games, nada. Havia bola rolando, poeira levantando, correria, gritos de alegria e de prazer da molecada que se divertia correndo atrás da bola. Havia crianças felizes e naquele amontoado de garotos descalços, de times com e sem camisa havia Neymar, Gabriel Jesus, Marcelo, Daniel Alves e até um tal de Pelé. Parei o carro e fiquei olhando e, nesse momento, um loirinho baixinho fez um gol e saiu gritando que era gol do Romário. Impressionante a alegria estampada naquele rosto inocente por causa do gol marcado. Eu vi a alegria do garoto e me perguntei onde estariam os campinhos de terra? Os campinhos que sumiram ou a garotada que desistiu do futebol por causa dos celulares? Ou as duas coisas? A bola voltou a rolar e minutos depois um dos goleiros fez uma grande defesa e gritou Rogéééééério Ceni.

Abri um sorriso, contra ataque e toda a criançada pra cima da bola. Alguém cai, alguém grita falta, alguém reclama, alguém xinga e o jogo para. Vai cobrar a falta e eu ali sorrindo e relembrando tempos em que, como aqueles garotos, não conhecia os males da vida, não conhecia políticos, não conhecia corrupção, não conhecia superfaturamento, caixas dois, tornozeleiras eletrônicas e nem sabia que não havia hospitais a disposição de quem precisava, não sabia que não havia escolas para todas as crianças, que não havia segurança.

Uma época em que não conhecia desemprego, violência, uma época em que as crianças brincavam despreocupadas em campinhos de terra como aquele. Uma época em que acreditava nas pessoas e acreditava que todo mundo tinha direito a ser feliz, tudo parecia certo, tudo parecia funcionar e todas as pessoas estavam felizes.

As crianças seguiam gritando e rindo e agora o pequeno Pelé fez jus ao apelido e marcou um belo gol. E lá estava ele dando cambalhotas de felicidade, provavelmente ainda sem saber que existe guerra de tráfico, sem saber que existe droga, sem saber que bandidos que matam mães e pais tem direito a saída no feriado de dia das mães. E, tudo isso, também o Neymar que, ali no campinho de terra, domina a bola, se livra de dois zagueiros e chuta para mais uma bela defesa do Rogério Ceni, provavelmente não sabe.

Eu observo a alegria inocente dos garotos e me pergunto o que foi que aconteceu com a minha inocência? Ela se perdeu nos noticiários tendenciosos dos jornais das TVs? Ela se perdeu na maldade de pessoas ruins? Na ganância de políticos que trabalham para o bem próprio? Ou ela se perdeu nos celulares, notebooks e internet? Ou uma somatória de tudo? O pequeno Neymar fez um gol e agora, alguém sacaneia aquele que se autodenomina Rogério Ceni e, com tristeza, vejo ao longe, um carro parar perto de alguns adolescentes. Eles recebem algum dinheiro e entregam o demônio para o motorista que, provavelmente, depois vai fazer passeata contra a violência se esquecendo de que é um daqueles que a financiam e que é, também, o mesmo que reclama dos ladrões, dos assaltantes enquanto compra produtos roubados porque são mais baratos.

Onde está minha inocência? Se perdeu nos obstáculos, mentiras e decepções da vida. Ligo o carro e saio andando lentamente com tempo de ver o Pelé fazer mais um gol. A felicidade está ali, junto com a inocência, dentro do campinho, no meio do jogo de futebol. Deixo os garotos inocentes e passo pelos adolescentes que me olham sorrindo e me desafiando e me pergunto o que esperam da vida? Me pergunto qual o seu futuro? Me pergunto se já sabem que a vida não é um campinho de terra? Me pergunto em que momento perderam sua inocência e suas vidas? Me pergunto em que momento deixaram seus apelidos de jogadores famosos para assumirem seus apelidos de soldados do tráfico?

E outra pergunta que não quer calar.
O que será de suas inúteis, tristes e breves vidas. Olho em volta mas, não vejo mais inocência e nem campinhos de terra. Oh, tristeza!