O reino da hipocrisia era um grande e promissor reino animal que se localizava nas nuvens, na ilusão, na mentira, na utopia e insanidade. O novo rei estava iludido, era um sonhador, talvez louco. E ele cometeu erros, muitos, deu munição gratuita e os inimigos se aproveitaram.
Não era fácil reinar no meio de hienas, cobras e traíras. Um reino enorme, com dimensões continentais, cheio de problemas, roubos e desconfianças internas e externas.
O Rei tentou, mas a herança maldita de outros Reis estava enraizada nas entranhas do mundo animal e aquele império não conseguia ser o que podia. Com besteiras em cima de besteiras, o iludido Rei, deu as oportunidades que os animais necrófagos queriam.
Era um belo reino, colorido pelo amarelo do ouro, pelo verde de matas extremamente cobiçadas, pelo azul cintilante de rios caudalosos e pelo branco das belas nuvens.
Sim, era isso, um reino governado por um Rei que queria o fim da corrupção e subtração de valores do reino, mas ele tinha um grande defeito, falava o que muitos queriam dizer e não tinham coragem. O Rei falava verdades que deveriam ser ditas, mas naquele reino não se podia falar verdades, os morcegos (poderosos) e os animais rastejantes (ladrões e corruptos), não queriam que essas verdades se tornassem públicas. Insistente e com dificuldades, impediu a subtração, mas incomodou alguns muitos que não aceitavam a perda da mamata.
Perfeito? Nem pensar. Nem de longe. E quem é? Eu? Nunca fui e nem pretendo ser.
Naquele reino animal ninguém chegava próximo disso e lá, nesse reino encantado e de fantasia, media-se a qualidade de seus governantes, não pela capacidade de governar e sim, pela capacidade de se relacionar com os animais à sua volta, pela capacidade de comprar quem fosse necessário. Ah, os abutres, sempre ansiosos pelo poder, não queriam largar o osso e sempre queriam comer até o fim. Abrir mão da mamata? Que isso? Tá louco?
O reino era bonito, natureza animal, vegetal e mineral, aliás, mineral esse muito cobiçado por outros reinos. Havia belos cervos, doces beija-flores, inofensivas borboletas, cavalos trabalhadores, mas havia também cobras, traíras, hienas (olha só, para quem pensava que só existia na África), jumentos e morcegos enormes. As cobras, sempre traiçoeiras, ficavam à espreita, escondidas, para não serem descobertas e esmagadas, sempre aguardando o momento ideal para o bote.
Já as hienas, muito amigas do Rei, agora, lhe viravam as costas e articulavam no reino animal para derrubá-lo, junto com os grandes morcegos que viviam na escuridão para que não vissem suas intenções.
Enquanto isso, os jumentos, servos dos antigos reis, sorriam perante a máxima do pão e circo. Bastava lhes dar uma porção de feno, que faziam o que os seus senhores dissessem. E quando alguém questionava os jumentos, a resposta era pronta.
“Ora porque se incomodam conosco? Será que não veem as galinhas? Pode lhes arrancar as penas, uma a uma, o bicho pula, grita, protesta e já pelada, dolorida e sangrando, basta jogar milho ao chão e sair andando, que as galinhas vão seguir o seu carrasco, cega, alheia, desprovida de análise e bom senso. Apenas à procura de migalhas”. E aliás, ainda diziam os jumentos, somos melhores que as galinhas, somos à força de trabalho, nos dê um pouco de feno, por misericórdia.
O Rei logo percebeu quão vis eram as hienas mas, no meio de tudo, ainda haviam corujas, sempre intelectuais, que acreditavam no Rei, em suas verdades duras, sabiam que não falava o que poderosos queriam, acreditavam no Rei. Mas era difícil, os animais queriam os velhos costumes, a letargia, o ganho fácil e imoral. Nos velhos reinos, era mais fácil de se viver.
E assim seguia a vida, o Rei tentando governar e o ranço de antigos reinos articulando, às escuras, para retornar ao poder, afinal, aqueles velhos Reis não queriam largar o osso, a mamata e nem ter que pagar impostos. Feito cães raivosos, os antigos e corruptos Reis se juntaram aos chacais para derrubar aquele que era um “cavalo em loja de cristais”.
E assim, o reino da hipocrisia continuará nas nuvens da corrupção.