Em um cinzento fim de tarde, sozinho em uma praia, observando a beleza da linha do horizonte, desejei viver no mar e acreditei que esse era meu verdadeiro mundo e decidi ser um homem do mar. Fui pescador, trabalhei em plataformas de petróleo, carreguei e descarreguei cargas em navios de transporte. Cruzei oceanos em grandes iates de cruzeiro. Atravessei mares, venci grandes ondas e tempestades, acreditando estar em busca de meu mundo, mas nada acontecia. Uma noite, em um sonho, um velho sábio apareceu e me disse que precisava encontrar o portal para meu verdadeiro mundo, onde me realizaria e me sentiria feliz. Acordei assustado, como poderia encontrar meu portal? Onde estaria ele?
Voltei aquela praia, naquele horário e gritei para o céu azul e para o mar imenso.
— Velho sábio, como faço para encontrar meu portal?
Então, ele apareceu e sorrindo me disse: — Finalmente você entendeu.
Me deu um mapa e me mostrou o caminho, e aqui estou, nessa imensidão azul e cinzenta. Observo os pingos baterem na água, confiro meu mapa e desligo os motores do barco. Os pingos formam pequenos círculos, parecidos com moedas, mas as ondas os desfazem rapidamente. A chuva forma novos círculos, as ondas desfazem, caem novos pingos e novos círculos e assim vai. Como a vida, um constante vai e vem de momentos bons e ruins, de momentos certos e errados. Vou até a amurada e sinto os pingos frios nas costas. As gotas começam a escorrer da cabeça para meus olhos me atrapalhando um pouco a visão. Mesmo com dificuldade, olho na distância e é muito bonito ver a chuva caindo no mar. Se, em casa já é bonito, imagina em alto mar. O céu está cinzento e a chuva fria é gostosa. Uma brisa suave traz um pouco de melancolia, respiro fundo e olho ao longe, o mar está calmo e o barco balança suavemente. Escuto o silêncio e meus ouvidos captam o matraquear da chuva no mar, observo um cardume de peixes passando a alguns metros e, minutos depois, a ameaçadora barbatana de um tubarão. Penso nos peixes, acho que estão prestes a ter sérios problemas, assim como nós, que estamos cercados de tubarões e problemas à espreita.
Tantos pensamentos que se misturam em um turbilhão maluco em minha cabeça. A expectativa é grande, de vez em quando aparece a dúvida, o meu portal vai aparecer? Se o encontrar, sei que tudo mudará, respiro fundo, sento em uma cadeira, sentindo a chuva, o balanço do barco. Olho para o horizonte, procuro meu portal, meu algo especial, meu mundo. Onde está o meu portal?
Sorrio ao lembrar as palavras do velho sábio: “No seu verdadeiro mundo, você pode ser o que quiser, conseguir o que quiser, desde que acredite que pode”. Lá, você vai encontrar a tão desejada felicidade.
Ainda questiono suas palavras, haveria algo de errado com elas? Seriam verdades? Mentiras? Enganos, ou interpretações erradas?
Nesse mundo de água, olho em volta, procuro pelo portal, acredito que estará ali. Vi no mapa do velho sábio, o mar está calmo, mas, subitamente, começa um vento e, aos poucos, as ondas vão aumentando. O balanço do barco se torna intenso, continuo sentado olhando impassível para as ondas que vão se tornando maiores. Então, do meio das ondas, ele aparece. Surge imponente, do meio do mar, esparramando agua, uma espécie de porta, enorme, feita de água e quase se podia ver do outro lado. Ou melhor, do que eu apenas imaginava ser “o outro lado”. A enorme “porta de água” se aproximou do meu barco, quase encostou e, como por encanto, uma linda moça surgiu lá de dentro e me estendeu a mão. — Venha.
Não hesitei, segurei sua mão e pulei para minha nova vida, meu novo mundo, onde tudo seria como eu queria que fosse, era o que acreditava, mas a porta afundou comigo e me vi no fundo do oceano.
E agora, é tarde para voltar.