Talvez o calor esteja queimando meu cérebro, sei lá. Talvez seja a terrível e lamentável onda de calor ou, ainda, talvez aquele termo novo, choque térmico, mudança repentina de temperatura. Creio que também define um calor intenso e que dizem ser até pior do que a insolação, sei lá.
Não sei…, não sei…, não sei de nada…, não posso saber de nada. Nada entendo, só uma coisa consigo perceber, que caminho tropeçando, com tontura, com zumbido no ouvido e apesar do sol escaldante, vendo um céu cinzento com nuvens negras que acompanham meu caminhar. Talvez essa seja minha realidade agora, apenas um céu cinzento coberto por grades e mais grades. Talvez seja meu destino. O meu e de muitos milhares, dezenas de milhares, milhões…, sim, destino de dezenas de milhões. É só esperar…como se fosse o apocalipse, provocado pela mente maléfica e brilhante de um demônio.
O que fazer? Não há o que fazer, apenas agonizar e reverenciar o poder do demônio.
Olho para o pátio, para as grossas e enormes portas que me impedem de voltar ao meu mundo. Olho para o muro alto com suas ameaçadoras guaritas de onde bombas podem ser atiradas em minha direção ao menor descuido, ao menor lampejo de sanidade. Não posso pensar, não posso querer, não posso reivindicar, não posso soltar o meu grito de desejo, não posso. O demônio está à espreita. Lágrimas escorrem e não me deixam ver o horizonte. Não consigo ver uma luz anunciando o fim da opressão desmedida, sem sentido, sem motivo, sem provas. O demônio me impede ter de volta o que era meu. Me pergunto o porquê. Eu sorria, gritava por liberdade, por justiça, gritava pelas minhas cores, meu orgulho e, então, do nada, fui preso, acorrentado, humilhado, retirado de meu mundo, execrado e chamado pelos piores adjetivos.
Mas, sim…, eu sei o porquê. É tudo um plano arquitetado em meio à ratos, abutres, morcegos, ladrões, corruptos, falsos mediadores do que é correto ou não. Apenas um diabólico plano, projetado a partir das informações de que inocentes e trabalhadores, gente de bem, vai soltar o seu grito de desespero, vai pedir a sua justiça, vai clamar por um mundo correto, sincero, sem mentiras. Para os safados, a chance. A grande chance. Plano diabólico.
Só porque, eu e muitos como eu, queriam ter direito a gritar, só por isso.
Mas, agora, como uma ema acovardada, enfio meu pescoço no buraco. É só o que me permitem. Talvez o desejo seja o buraco da corda, do laço. Ah, aquele nó corrediço no laço maldito que acaba com meu sofrimento terreno…e inicia o espiritual. Não e não. O demônio vai se danar sozinho.
A hora dele vai chegar, a luz divina vai mostrar quem manda. Eu sei, eu acredito, eu tenho fé, mas sabiamente escondo minha fé, ele ainda não pode tirar, mas não pode saber, senão, vai querer tirar, vai tentar tirar.
Grades, celas, pátio, muros, sem liberdade, é o fim. Preso, escondido do mundo, subjugado, sem direito de resposta, sem direito de defesa, sem direito a visitas. Sem direito a comemorar feriados com a família, sem os direitos que marginais da pior espécie possuem.
Oh, meu Deus me ajude, eu imploro. Fazei sua justiça divina cair sobre a cabeça lustrada daquele falso, daquele déspota, daquele advogado dos piores, daquele demônio.
Muitos como eu, traídos, presos injustamente, sem saber bem o porquê, humilhados e espancados, choraram lágrimas de sangue e, revoltados, sem poder dar vazão a sua revolta, desesperados sem esperança, com corações aflitos, sorrisos e liberdades retiradas a força. Não há uma mão estendida, não há um seio para os aconchegar, não há nada, não há vida, o demônio não deixa ninguém se aproximar de ninguém e eles sucumbem. Desesperados perdem suas almas ao tirar suas próprias vidas e o maldito demônio sorri. Ele, o todo poderoso, um verdadeiro senhor dos anéis. O maldito. Não tem problema, a justiça divina vai chegar. Muitos lamentam não poder ver, mas talvez seja melhor, afinal, é preferível não estar nas sombras, na escuridão, nas trevas e é lá que vai ocorrer o sofrimento, ele vai pagar suas dívidas. Dores, lamentos, danação, é o que espera pelo demônio. Sabe o sorrisinho sarcástico? Então, vai acabar e ele não sabe disso…, ainda. Sabe o lustre alvo e perfeito? Então…, vai apodrecer, vai se decompor. Sabe o poder? A arrogância? A maldade? A safadeza? Então…
E olha a ironia, como já dizia Chico Buarque “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”!