Quando era criança, havia um bambuzal enorme perto de casa. Tempos bons, adorava deitar à sua sombra observando as folhagens balançarem ao vento com o céu azul ao fundo. Era inebriante. Já teve a doce oportunidade de escutar o vento passando por entre as folhagens de um bambuzal? Uma delícia, você viaja para o paraíso.
Talvez o tempo passasse devagar ou, talvez rápido, sei lá, e pouco me importava com isso, era apenas um menino cheio de sonhos e com a vida pela frente. O que era o tempo?
Tempo bom, de inocência. Ainda não sabia o que significavam palavras como corrupção, dinheiro na cueca, na mala, no porta-malas, no apartamento, caixas dois, eleições fraudulentas, tornozeleiras eletrônicas, acordos perversos durante as madrugadas e etc…
Ainda acreditava que quem roubava ficava preso e ainda não tivera o desprazer de ser apresentado a um “negócio” chamado político.
Naquela época, acreditava que havia bruxas más no meio do bambuzal, sentia pavor ao imaginar as bruxas velhas e horríveis. Expressões de malvadas, cheias de verrugas no rosto, aquele nariz adunco enorme e pavoroso, vestidas com roupas pretas esfarrapadas e chapéus dobrados na ponta, também pretos.
Ainda não sabia que os verdadeiros bruxos ruins, diabólicos, também vestidos de preto (sem ser esfarrapados, muito pelo contrário), eram, na verdade, pessoas dissimuladas, estudadas, supostamente idôneas, que enganavam a todos se escondendo atrás de posições respeitáveis e discursos aparentemente de acordo com o correto. Pessoas que, disfarçadamente (e às vezes nem tanto), personificam o que há de pior nas bruxas más. Oh, meu Deus.
Naquela época ainda não sabia que a verdadeira maldade estava em deixar crianças sem escolas, doentes sem hospitais, pais de família sem emprego, bandidos fora da cadeia.
Era puro, ainda não sabia sobre racismos e preconceitos e, muito menos, sobre mimimi.
E, afinal, o que são as pobres bruxas más quando comparadas com os bruxos de hoje?
Ah, eu tinha medo também das cobras que normalmente vivem nos bambuzais e saíam, sorrateiras, do meio das folhagens esparramadas pelo chão, para nos morder, mas hoje sei que existem bichos muito mais traiçoeiros do que as coitadas como, por exemplo, morcegões decrépitos que chupam até a última gota do sangue de suas vítimas, vivem na boa, atuam no escuro, na surdina e não se importam com a desgraça alheia ou com o que é certo ou errado.
O importante são os benefícios próprios. Povo? O que é isso? Justiça? Para quem?
E sabemos que além dos morcegões, temos traíras, as hienas que riem das carcaças podres de suas vítimas, tem os corvos e uma enorme corja de aproveitadores que na primeira oportunidade traem aqueles que o ajudaram.
Ah, que saudade da inocência dos tempos do bambuzal.
Saudade da época que o olhar se perdia no balanço de suas folhas e não nas notícias tristes de corrupção, roubos e tantas outras coisas que envergonham e entristecem pessoas decentes.
O ouvido escutava o doce som da brisa passando pelas folhagens e não era contaminado por notícias tendenciosas de mídias falsas ou por notícias verdadeiras de aumentos escandalosos.
E assim segue a vida, sem bambuzal, sem inocência.
E assim segue a vida, com violência no trânsito, violência nas ruas, falta de respeito ao próximo, bandidagem, drogas, traficantes, criminosos soltos e cidadãos presos. Não há justiça.
Segue a vida com falta de respeito à população e aumentos absurdos e desrespeitosos.
Segue a vida, com moral e princípios invertidos. O que era errado, agora é certo e vice versa.
Cadê o meu bambuzal e minha inocência?
Ah, aquela inocência da época do bambuzal se foi, assim como o próprio bambuzal que não existe mais. Ah, que pena.
E agora…sigo em frente com morcegões, traíras, hienas, ladrões, corrupção e…e…políticos.