Vamos de um conto de fantasia que retrata muitas realidades.
Era uma balada, gente jovem, bonita, amigas, paqueras. Muita alegria, música, conversas, risos, bebidas, muita diversão, felicidade geral. Garota linda e jovem, classe média alta, universitária, trabalhava e bom salário, dona de sua vida, era jovem, mas se considerava experiente e achava que sabia de tudo. Mas, só achava…
Naquela noite, tudo o que queria era se divertir. Não queria limites, não queria pensar, se preocupar. A vida é tão curta, né? Queria apenas se jogar com tudo, se entregar à diversão, à alegria, ao prazer. Trabalhara a semana inteira e agora era para relaxar, sorrir e ser feliz e as amigas estavam ali para ajudá-la, para se divertirem juntas. Haviam também os amigos, a turma, estava feliz, era aceita em uma turma maravilhosa. O que mais poderia querer?
Tudo ia bem, já estava um pouco alta, feliz, falando bastante, rindo muito, então veio a oferta tentadora, era possível resistir e sabia disso. Por um segundo, passou pela sua cabeça as possíveis consequências. Sabia o risco que corria, mas a curiosidade, e talvez o teor de álcool, falou mais alto e, afinal, estavam todos naquela, para que resistir? Além do mais, como ficaria com a turma se recusasse a oferta? Ah, deixe de ser careta, vamos nessa, vamos mergulhar fundo e nos divertir. E era isso o que desejava, apenas se divertir.
Faltou amor próprio ou coragem para dizer não, faltou experiência, personalidade, faltou pensar com clareza nas consequências, e cheirou o demônio branco que trouxe euforia, felicidade, sensação de poder e cheirou mais uma vez, afinal, qual era o problema? Era só uma festa, uma balada e tinha o controle da situação. Ou não?
Não! Não tinha e, talvez, até soubesse disso, mas era só um pequeno detalhe, afinal queria se divertir, fazer parte da turma…, e nos dias seguintes outras vezes, só para sentir novamente aquele prazer imensurável, mas tudo estava sob controle e mais uma vez nos próximos dias, afinal estava enturmada. E, mais uma vez e outra vez e perdeu o controle.
O caos estava instalado e precisava sempre de mais e mais. O demônio não a largava e ela não conseguia largar o demônio. Até queria, mas como conseguir? Como?
O dinheiro começou a faltar, vendeu coisas, fez empréstimos, mas o dinheiro continuava faltando. O demônio branco sugava tudo, o dinheiro, sua saúde, seu amor próprio, sua vontade de viver. Largou a faculdade, perdeu o emprego, virou as costas para a família, perdeu a casa e ganhou as ruas. Perdeu a vida! Estava arrependida pelas escolhas, mas agora era tarde. Não entendia como fora parar naquela situação.
Descobriu um novo demônio, mais barato e a ele se entregou e a pedra substituiu o pó.
Seu custo era bem menor, mas o efeito mais devastador e alguns dos amigos daquela triste balada a acompanharam, à deriva pelas ruas, feito zumbis iguais a ela, catando lixo, mendigando, implorando por comida e pedras. Sonhos perdidos, esquecidos em um passado que já nem lembravam mais.
E outros daqueles amigos logo se afastaram quando viram seu estado e viraram as costas, afinal o problema era dela.
Se prostituiu, se vendeu, perdeu a vergonha, a dignidade e a moral, afinal, precisava das pedras. Era só isso que queria. Pedras! E, nos raros momentos de lucidez, se perguntava o que tinha acontecido e como fora parar ali, na sarjeta. Como fora possível ter experimentado o demônio? E como fora possível ter sido dominada por ele?
Há dias sem banho, com roupas sujas e fedidas, o antes belo e sedoso cabelo, agora, desgrenhado e malcheiroso. O olhar perdido, olhos vermelhos de tanto demônio. Olhava para o nada tentando encontrar algo, talvez a luz e o fim da tragédia em que se metera. Caíra na triste armadilha do maldito demônio que tantos jovens, como ela, caem levados por uma noitada e por uma balada. Agora, caída na sarjeta, continuava olhando para o nada e foi dali que surgiu a chance de sair da tragédia. Talvez sua única chance. Sua família vinha, mais uma vez, busca-la e não tinha mais forças para dizer não, estava à deriva, sem forças, sem vontades, debilitada e entregue. Precisava deles.
Era a sua chance, sua grande e talvez única chance de sair da armadilha do maldito demônio.