Caminhava distraído, absorto, pensando nos problemas e nas coisas para fazer e vi uma pipa voando com a linha arrebentada. Parei, admirando seu voo engraçado e suave. Ao sabor do vento, ela se enrolava, desenrolava, enrolava de novo, virava de cabeça para baixo e voltava ao quase normal.
Não pude deixar de imaginar as crianças que estariam correndo tentando adivinhar para onde o vento a levaria. Imaginei os rostos felizes e a corrida desenfreada para chegar primeiro e me vi alguns muitos anos atrás, quando também corria atrás de pipas.
As crianças correm atrás de uma pipa sem nem ao menos saber se ela é “boa” ou não, se é bonita ou não, isso não importa e sim a agradável sensação de correr atrás e nem sempre o ato de conseguir a danada é o mais importante.
Só o fato de poder correr, olhando para o céu e tentando adivinhar seu caminho já faz a alegria de uma criança. Eu me lembro, das poucas vezes, em que fui o vencedor, do quanto era bom, porém, me lembro também que nas muitas vezes em que corri atrás e não consegui o prêmio, não fiquei frustrado.
Até havia certa decepção porque queria pegar a pipa, mas sabia que logo mais, outra estaria solta pelos céus e lá estaria eu novamente tentando pegar. O voo da pipa pelo céu é a essência da liberdade para uma criança.
E, agora, olhando para aquela pipa, tudo o que queria era sair correndo e participar da alegre disputa por aquele objeto de desejo. Um objeto que se disputa não pelo valor e sim pelo prazer de disputar e pelo prazer de conseguir. Apenas isso, simples assim! O que importa é o prazer de correr, de disputar, de adivinhar o caminho e de se sentir o vencedor quando se consegue o objetivo.
Olhando para a pipa, quase conseguia me sentir na disputa e quase conseguia sentir o vento no rosto. Os olhos fixos no céu, passando sem ver, pessoas e locais, apenas admirando o voo e imaginando o pulo no momento certo para arrebatar o premio. Olhando para ela eu já tentava imaginar o caminho que faria, senti lágrimas de emoção e me remeti a uma época feliz, uma época de brincadeiras e alegrias e me vi batendo palmas nas casas para pedir a pipa que caiu no quintal.
Eu me vi subindo em árvores para pegar a danada que se enroscara lá, me vi correndo solto pelo mato, de olho no céu e de olho nos companheiros que corriam ao lado com o mesmo sonho, com a mesma alegria e com a mesma esperança de pegar a pipa. Pés descalços, sorriso no rosto, vento, mato, natureza, criança, pipa, liberdade! Era como um sonho ou como um transe.
A pipa seguia seu caminho e eu até já tinha conseguido ver suas cores, azul e branca, as cores da minha Taubaté. A rabiola enorme, já toda enroscada em si mesma e já ia terminando seu voo. Iniciava a descida e aumentava o frisson da criançada.
Mais alguns segundos e ela teria um novo dono que daria um sorriso feliz e olharia para os amigos com ar de vencedor. O meu sonho, ou transe, teve um fim quando um carro buzinou, alguém soltou um palavrão e me vi de volta ao presente, a dura realidade dos adultos.
Olhei para o carro e depois para a pipa, ela estava quase caindo. Segui meu caminho com a certeza de que tinha vivido mais um pouquinho, parte das minhas alegrias de infância.