Caminhava tranquilo pela calçada irregular, quase contando os passos, distraído, olhando árvores, ouvindo pássaros, sentindo a brisa suave do entardecer, mas antes de sair de casa, para a caminhada, colocara os mil problemas lá no fundo do emaranhado de seu cérebro, composto por bilhões de neurônios que não fazia a menor ideia para que serviam e nem se preocupava com isso.
Respirou fundo se sentindo letárgico, sem ação e emoção, mas da maneira mais simples, sabia que era poderoso, terrivelmente poderoso.
Um ser incompreendido e, na maior parte das vezes, solitário. Um intelectual? Talvez. Um guerreiro? Sem dúvida. Um louco? Provavelmente!
Desbravava seus caminhos em um terreno difícil e ingrato. Sorria paciente, aguardava ideias e elas aconteciam, quando menos esperava. Talvez viessem das profundezas do inexplicável cérebro ou, quem sabe, do universo à sua volta. Talvez estivessem lá, apenas esperando alguém apanhá-las. Seria assim? Não sabia e nem se preocupava. Às vezes, vinham prontas, outras as fazia crescer, desenvolver. As lapidava e assim brincava com sentimentos alheios provocando alegrias, tristezas, suspense, raiva, medo e tantos outros. Mas, às vezes, elas sumiam, desapareciam, se recusavam a se mostrar, mas sabia que apareciam quando queriam aparecer, não havia jeito. Porém, quando resolviam dar as caras, aí era com ele. Sabia o que fazer, e como sabia.
Alguém o cumprimentou, mas em seu quase transe, não ouviu, não respondeu e seguiu. O alguém sorriu, já conhecia suas manias, seus devaneios.
Em um quase diálogo consigo mesmo, sorriu, quando a ideia aparecesse, poderia cruzar os céus, atravessar oceanos e mergulhar em suas profundezas. Quem sabe uma passeada pelo espaço, visitar a lua, outros planetas ou dimensões?
Era mágico, louco, podia ir onde quisesse.
Se animou, ideias começavam a chegar. Acelerou o passo, o coração disparou, queria chegar logo em casa para dar vazão à profusão de pensamentos e ideias que borbulhavam em sua mente louca. Era quase como uma jarra de água que vai enchendo e logo, transborda. E, empolgado, andava como um autômato, desceu da calçada sem olhar o trânsito e nem o barulho da freada e da buzinada o tiraram de seus devaneios. Quase sem ver, atravessou a rua, ideias tomando forma a cada passo, subiu a outra calçada e adentrou ao prédio. Cumprimentou, de forma mecânica seu José, o porteiro, que lhe sorria ansioso pela tradicional conversa sobre futebol, mas agora não. Havia ideias, muitas ideias e o desejo imensurável de iniciar a sua viagem. Entrou no elevador e apertou o andar número 1000. Sim, para ele, era assim.
Sentiu o suave solavanco e fechou os olhos pensativo, excitado. Quem sabe visitar o fundo do mar ou a lua, marte, outra dimensão? Sim, podia até mesmo recriar o passado. Que tal ver os grandes dinossauros? Seria fantástico e divertido. Sorriu ao se imaginar fugindo de um Tiranossauro Rex, se escondendo atrás de uma árvore e, depois, um pulo no espaço tempo e sair na época dos grandes impérios egípcios. Não conteve um sorriso ao pensar em se relacionar com Cleópatra, conhecer Ramsés e tantos outros do império egípcio. Poderia recriar, à seu modo, as grandes e sangrentas batalhas medievais, conhecer as cruzadas, poderia se tornar um soldado, um grande guerreiro, um General ou um imperador desprezível. Se colocar nos horrores das, primeira e segunda, guerras mundiais, mudar os acontecimentos a seu bel prazer. Ou, quem sabe, poderia visitar o futuro, ou criar o seu futuro, dos outros, do mundo. Seria uma grande e extraordinária viagem.
O elevador chegou ao milésimo andar, a porta abriu, foi ao seu apartamento. Entrou e a esposa sorriu para ele e, distraído, devolveu o sorriso. Caminhou para o escritório, mas ela perguntou. — Onde estava?
Meio desconcentrado, respondeu. — Por aí, relaxando a cabeça, acalmando o stress, buscando ideias. — E as encontrou?
Ele sorriu meio misterioso. — Sim, mas agora, preciso ir…– Virou as costas.
— Ei, ei, ei, meu amor, onde pensa que vai?
— Vou fazer uma viagem, hoje á noite.
A esposa estreitou as sobrancelhas. — Hã?
— É isso aí, vou viajar hoje à noite. Um tour pelo mundo, uma visita ao passado ou futuro, ou à outros planetas ou…, à qualquer lugar, à qualquer tempo.
Ela sorriu. — Vá com cuidado nessa viagem, hein? Não vá criar monstros perigosos.
— Ah, mas vou sim. Monstros, alienígenas, fantasmas ou, sei lá, talvez apenas um galanteador que se envolva em um romance sensual ou o mocinho apaixonado pela mocinha delicada. Ah, pode ser também algo sobre um louco em uma viagem pelo espaço, ou, talvez crie um astronauta, sei lá, qualquer coisa pode sair da minha insanidade criativa. Ela sorriu e o escritor virou as costas e entrou no escritório para escrever sua estória. Sim, ele podia fazer ou ser qualquer coisa, tinha esse poder. Bastava deixar sua mente criativa sonhar com qualquer coisa.
O Escritor ligou o computador e começou a escrever freneticamente.