Dias atrás, dirigindo por um bairro da periferia de Taubaté, me deparei com uma cena raríssima e, ao mesmo tempo, muito estranha. Parecia fora do contexto, parecia uma cena vista em uma viagem do tempo e, ao mesmo tempo, uma cena onde havia algo errado, algo estava faltando.
Vi um garoto, apenas um, empinando uma pipa. Até parei o carro para olhar melhor e lembrei que, naquele momento, ainda estava no período de férias escolares.
Que estranho! Uma criança empinando pipa, nos dias de hoje, né? E, posso até dizer, que mais estranho ainda é somente uma criança empinando pipa, certo?
Uma cena inimaginável anos atrás, talvez dez, quinze ou vinte anos. Talvez menos do que isso.
Com o carro parado ao lado do meio fio, olhei para o céu azul e vi somente a pipa que aquele garoto empinava. Ventava com força suficiente para manter a pipa lá em cima, ventava daquela maneira que, antigamente, fazia a criançada correr para colocar suas pipas no “ar”.
No entanto, apenas um garoto. Apenas um, brincando, se divertindo, fazendo a danada ir para a esquerda, para a direita, “afundando” sua pipa e a fazendo subir no momento certo.
O que aconteceu? Na minha época, em período de férias escolares, o céu estaria repleto de pipas coloridas, quadradinhos das mais diversas cores, rabiolas e linhas coloridas.
Linhas se entrecruzavam na deliciosa guerra entre as pipas. Havia vencedores e perdedores, havia pipa voando com a linha arrebentada, ou cortada, havia gritos da criançada, correria, muitas risadas, liberdade, felicidade e interação. Todo mundo conhecia todo mundo. Todo mundo brigava e, no dia seguinte, todo mundo era amigo de novo.
O que aconteceu então?
De certo modo podemos até dizer que isso é bom. As cidades cresceram demais, os bairros se desenvolveram, as ruas se encheram de carros e motos e já não se encontram mais campinhos e espaços para a garotada empinar suas pipas de forma segura o que torna a antiga e deliciosa brincadeira muito perigosa, por conta do cerol nas linhas ou, então, da tão falada linha chilena que, segundo dizem, corta mais do que o cerol.
Graças a Deus que diminuiu (quase zerou) o número de crianças empinando pipas, já que o cerol nas linhas, ou a linha chilena, representa um terrível perigo para todos e, principalmente, para motociclistas. Infelizmente nem todos colocam aquela anteninha de proteção nas motos. Uma linha com cerol, ou a danada da chilena, escorregando pelo pescoço, torna-se praticamente fatal e, infelizmente, muitas vidas se perderam assim.
Porém, vendo o outro lado, que pena que não temos mais espaço para a criançada empinar suas pipas e elas acabam gastando seu tempo com coisas muito erradas ou, então, se alienando nos vídeos idiotas das redes sociais. Frequentemente me pergunto como fica o desenvolvimento da criançada com essa alienação às redes sociais, essa neura pelo danado do aparelhinho chamado celular. Alienação e neura que atinge, também, os adultos.
Na minha época, era uma briga para a mãe colocar o moleque para dentro de casa, hoje a briga é para colocar o moleque para fora de casa, para brincar, se divertir, sorrir, ser feliz, interagir com amigos, se desenvolver, enfim.
Ah, sei lá, mas para mim, a impressão que tenho é que faz muita falta as brincadeiras de antigamente, a pipa, o jogo de futebol em ruas e campinhos (quanto tempo faz que você não vê um grupo de garotos, ou garotas, disputando um jogo de futebol?), o jogo de taco, queimada, o de esconde-esconde, o jogo do pega-pega e tantos outros…
Era tão divertido. Oh, saudade viu.
A modernidade veio e sempre vai vir, faz parte, claro. O desenvolvimento não para, as coisas estão em constante mudanças, evolução e blá blá blá. Mas é triste ver crianças enfurnadas em seus quartos, isoladas. Vivendo exclusivamente de joguinhos nos celulares, de videozinhos sem sentido, sem conteúdo, sem nada.
O celular traz quem está longe para perto da gente e leva o amigo, o vizinho, o companheiro de bagunças e brincadeiras para longe.
Estranho, né?